A DECRETAÇÃO DE INDISPONIBILIDADE EM AÇÃO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA PODE ATINGIR QUAIS BENS?

24 de julho de 2018 - Direito Tributário

(Alisson Nichel)

Não se nega que o Brasil vive uma crise de honestidade e sofre de elevado déficit ético por parte dos gestores públicos. Diariamente são divulgadas notícias de malfeitos praticados em todas as esferas de atuação pública, desde servidores de Municípios pequenos com atribuições reduzidas até o mais elevado cargo da República (são corriqueiras as acusações contra o atual Presidente Michel Temer).

Portanto, é natural que a população se revolte e que os órgãos de controle, especialmente o Ministério Público, atuem com rigor para coibir estas ilegalidades e recuperar os valores ilicitamente desviados dos cofres públicos.

No entanto, o papel do Poder Judiciário nestes casos é de fundamental importância para delimitar a exata medida das consequências que podem ser atribuídas a tais agentes que praticaram os ilícitos. O Magistrado não pode se deixar levar pelo clamor público em detrimento do que prevê a Constituição Federal e a Leis. Ou seja, deve buscar a justa e proporcional medida entre ilícito e consequência: nem mais e nem menos do que legalmente estabelecido.

Nem sempre, porém, tem sido essa a postura do Poder Judiciário nestes casos. Um exemplo concreto é o que ocorre nas ações de improbidade administrativa que são promovidas contras os agentes públicos e particulares que participaram dos fatos e/ou deles se beneficiaram. Estas ações têm por finalidade afastar os malfeitores da vida pública, impedir que os particulares que cometeram as irregularidades possam novamente firmar acordos com o poder público e obter a restituição dos valores que eventualmente tenham sido desviados.

E justamente para assegurar essa reparação aos cofres públicos é que a legislação que regulamenta a ação de improbidade administrativa previu a possibilidade de ainda no início do processo se determinar a indisponibilidade dos bens dos acusados. Ninguém nega a importância desta previsão e a sua legitimidade. Ocorre que a forma como esse dispositivo tem sido aplicado acaba por gerar abusos e exageros.

Isto porque passou-se a admitir que se determine a indisponibilidade dos bens ainda que os acusados tenham patrimônio proporcional ao possível desfalque e mesmo nos casos em que inexiste qualquer risco de tentativa por parte deles de esconder o patrimônio que possuem para não ressarcir o erário. Isto é, na prática o que vem ocorrendo é que a simples existência de acusação por ato de improbidade tem gerado a indisponibilidade de bens.

Outro ponto relacionado à indisponibilidade em ação de improbidade diz respeito aos bens que podem ser atingidos por esta medida. O Superior Tribunal de Justiça possui entendimento pacífico no sentido de que a indisponibilidade pode alcançar tantos bens quantos necessários a garantir as consequências financeiras de eventual condenação, tenham tais bens sido adquiridos antes ou depois dos fatos investigados, tenham derivado do produto de eventual ilícito ou não.

O Superior Tribunal de Justiça também firmou o entendimento de que “os bens de família podem ser objeto de medida de indisponibilidade prevista na Lei de Improbidade Administrativa, uma vez que há apenas a limitação de eventual alienação do bem”. É relevante compreender bem o que o STJ quer dizer com essa decisão, pois não é incomum que muitas pessoas se equivoquem e passem a afirmar que em ação de improbidade é possível “perder” o bem de família. Não é isso.

A indisponibilidade de bens não acarreta na expropriação/perda do bem. Ele apenas impede que o bem seja alienado (salvo com anuência do Poder Judiciário) enquanto durar a medida, mas o bem continua gozando da proteção conferida por lei aos bens de família (impossibilidade de expropriação).

Assim, a impressão que fica desse entendimento do Superior Tribunal de Justiça em permitir a indisponibilidade do bem de família (apesar de também reconhecer que não pode ser expropriado) é a de utilizar a medida como verdadeiro castigo ao acusado. Isto claramente extrapola a previsão legal, na medida em que se a indisponibilidade de bens visa assegurar o pagamento de eventual condenação pecuniária e o bem de família não pode ser expropriado para esta finalidade, mantê-lo indisponível é absolutamente desproporcional.