ANTERIORIDADE DO CRÉDITO NA AÇÃO PAULIANA

24 de julho de 2018 - Direito Civil

( Franco Rangel)

Sob a rubrica “Dos Defeitos do Negócio Jurídico” no Código Civil brasileiro, está o instituto “Da Fraude Contra Credores” (Seção VI), causa de anulabilidade do negócio jurídico (art. 171, II). Tal fraude ocorre, em geral, por atos do devedor que pratica a transmissão gratuita de seus bens (por exemplo, doação), remissão de dívidas (defraudador que “perdoa” uma dívida dos devedores dele) (art. 158) ou até mesmo alguns contratos onerosos celebrados (art. 159).

A literatura especializada aponta que tais atos em si são legais, mas se reduzem o devedor a insolvência, ocorre a chamada fraude pauliana, que pode ser combatida pelos credores prejudicados por meio da ação revocatória ou, conforme expressão mais usual no meio forense, ação pauliana, termo que encontra origens no Direito Romano (homenagem a um tal Paulus, pretor ou jurisconsulto na época).

Além dos requisitos já ditos para que se julgue procedente a anulação em tela, o Código Civil dispõe que “Só os credores que já o eram ao tempo daqueles atos podem pleitear a anulação deles” (§ 2º do art. 158). Trata-se do pressuposto da anterioridade do crédito. Isto é, o credor só poderá rever a disposição patrimonial do devedor se ele já era credor desse devedor anteriormente a esses atos, o que até parece um pouco óbvio pelos fins do instituto. Os negócios jurídicos pretéritos do devedor não estariam sob o escrutínio do credor prejudicado.

Entretanto, o Superior Tribunal de Justiça, observando a malícia de alguns devedores que já iniciam as transmissões onerosas ou gratuitas antes de, por exemplo, celebrar o contrato que, no futuro, não cumprirão, vem interpretando o § 2º do art. 158 de maneira mais oxigenada aos tempos atuais e aos novos expedientes dos defraudadores, pois “O intelecto ardiloso, buscando adequar-se a uma sociedade em ebulição, também intenta – criativo como é – inovar nas práticas ilegais e manobras utilizados com o intuito de escusar-se do pagamento ao credor. Um desses expedientes é o desfazimento antecipado de bens, já antevendo, num futuro próximo, o surgimento de dívidas, com vistas a afastar o requisito da anterioridade do crédito, como condição da ação pauliana.”[1]

Assim sendo, decidiu o STJ, “deve-se aplicar com temperamento a regra do art. 106, parágrafo único, do CC/16. Embora a anterioridade do crédito seja, via de regra, pressuposto de procedência da ação pauliana, ela pode ser excepcionada quando for verificada a fraude predeterminada em detrimento de credores futuros.”[2][3]

Portanto, a anterioridade do crédito na ação pauliana deverá ser analisada com calma, pois a aplicação mecânica e literal do § 2º pode acarretar benefício ao defraudador, o que é sistematicamente repelido pela legislação. Trata-se de um marco, podemos dizer, fluido e será fixado caso a caso.

[1] REsp 1092134/SP, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 05/08/2010, DJe 18/11/2010.

[2] Idem, ibidem.

[3] O parágrafo único do art. 106 do Código Civil de 1916 foi reproduzido, em essência, no Código Civil em vigor no § 2º ora comentado.