(Paula Helena A. M. Carvalho)
A sociedade em conta de participação é criada com o intuito de explorar uma atividade econômica, sendo o sócio ostensivo o responsável pela realização dos negócios ligados à escolhida atividade, em seu próprio nome, sob sua própria e exclusiva responsabilidade. Os sócios participantes, por sua vez, se associam a esse empreendedor e figuram como investidores.
Nesse contexto, em determinadas situações, pode ser aplicado o caráter consumerista à relação entre esses sócios investidores e o sócio ostensivo, conforme decidiu a 3.ª Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ).
Isso porque, segundo explicado pela relatora, ministra Nancy Andrighi, em que pese a previsão como modalidade societária, é certo que a Conta de Participação trata, na realidade, de um contrato de investimento. E, especialmente aqueles firmados no âmbito do mercado imobiliário, já foram previamente vistos pelo STJ como de caráter consumerista.
Mas, para tanto, é preciso que dois requisitos estejam presentes. Primeiro: o sócio não ostensivo deve ser caracterizado como investidor ocasional vulnerável. Ou seja, não pode o investidor ser aquele que desenvolve a atividade de investimento de maneira reiterada e profissional.
E, segundo: a sociedade em conta de participação tem de ter sido constituída ou utilizada com fim fraudulento, notadamente para a afastar a incidência do CDC. Isso porque, conforme relatou a ministra, em inúmeras ocasiões, esse tipo de sociedade é empregada justamente com a intenção de afastar a relação consumerista entre os envolvidos, burlando as regras de proteção ao consumidor, de modo que o expediente acabaria por tomar um caráter fraudulento.
Com esse entendimento, e vislumbrando o preenchimento dos requisitos acima, a 3.ª Turma aplicou o CDC no julgamento do Recuso Especial 1.943.845/DF para definir o foro do domicílio do autor como aquele competente para julgar uma ação de rescisão contratual, afastando a norma geral instituída no art. 53, III, “a” do CPC[1] e aplicando, em seu lugar, o art. 6º, VIII do CDC[2] para facilitar a defesa dos direitos do autor.
Ou seja, no caso citado, não houve, efetivamente, uma sociedade em conta de participação, eis que essa teria sido criada justamente como ardil para despistar a existência de um legítimo contrato de investimento em mercado imobiliário e, assim, afastar o cunho consumerista natural da relação.
[1] Art. 53. É competente o foro: III – do lugar: a) onde está a sede, para a ação em que for ré pessoa jurídica.
[2] Art. 6º São direitos básicos do consumidor: VIII – a facilitação da defesa de seus direitos, inclusive com a inversão do ônus da prova, a seu favor, no processo civil, quando, a critério do juiz, for verossímil a alegação ou quando for ele hipossuficiente, segundo as regras ordinárias de experiências.