IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA: O PODER CONFERIDO AO JUIZ PARA EXTINGUIR A AÇÃO DE PLANO.

16 de agosto de 2016 - Publicações
       A Lei de Improbidade Administrativa (Lei nº 8.429/1992) “dispõe sobre as sanções aplicáveis aos agentes públicos nos casos de enriquecimento ilícito no exercício de mandato, cargo, emprego ou função na administração pública direta, indireta ou fundacional”. Além do mais, “as disposições desta lei são aplicáveis, no que couber, àquele que, mesmo não sendo agente público, induza ou concorra para a prática do ato de improbidade ou dele se beneficie sob qualquer forma direta ou indireta” (art. 3º). Em outras palavras, a Lei de Improbidade possui uma amplitude de incidência bastante ampla, autorizando a responsabilização de agentes públicos e terceiros envolvidos direta ou indiretamente nos fatos.
Tipifica, de maneira bastante ampla também, os atos enquadráveis como improbidade administrativa, os quais podem ser subdivididos em 3 (três) espécies: 1ª) atos de improbidade que importem enriquecimento ilícito (art. 9º); 2ª) atos de improbidade que causem prejuízo ao erário (art. 10); e 3ª) atos de improbidade que atentem contra os princípios da Administração Pública (art. 11).
       Porém, tamanha amplitude da Lei atrelada ao “pré-conceito” de que toda e qualquer suposta irregularidade praticada no âmbito da Administração Pública decorre de comportamento desonesto, corrupto e ímprobo tem acarretado na propositura de ações de improbidade administrativa absolutamente descabidas.
       Durante o julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade n° 2.797/DF pelo SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, o Ministro GILMAR FERREIRA MENDES registrou em seu voto a lúcida consideração de que “infelizmente, a história da ação de improbidade – nós sabemos bem e a história vai registrar – é uma história de improbidade e de improbidades!”[1]. Improbidades, segundo ele, que consistem na propositura de ações de improbidade absolutamente temerárias e descabidas. Na mesma oportunidade, o Ministro observou que:
“(…) a análise sumária de algumas ações de improbidade, especialmente das que me têm chegado pela via da Reclamação, demonstra exatamente a tentativa de transformar toda e qualquer contestação às decisões administrativas em razão para imputar a um agente político a pecha de ímprobo, bem como de execrá-lo publicamente, por meio da radical condenação à perda de seu cargo e de seus direitos políticos.
Na aparente lógica defendida em alguns casos que tramitam em primeira instância, a cada mandado de segurança provido estará atestada a prática de um ato de improbidade pelo administrador. E em certos casos, a suposta existência do ato de improbidade parte do mero nexo objetivo entre a conduta dos agentes políticos e o resultado considerado ilegítimo. Não se exige sequer a culpa, o que configura um modelo de autêntica responsabilização objetiva!”[2].
A preocupação com a propositura ações de improbidade administrativa temerárias justifica-se, em especial, pela evidente, extremada e grave carga de consequências de ordem moral e jurídica que assolam os réus da ação. O peso de ter uma ação desta natureza proposta contra si é idêntico ou até mesmo mais grave do que responder a inquéritos ou ações penais.
Em razão disso é que os legitimados para a propositura destas ações devem maneja-las “de forma responsável, pois a ninguém é dado o direito de invadir a honra e a privacidade de quem quer que seja”[3].
Prevendo estas nefastas consequências, o legislador incluiu no Capítulo do Procedimento Administrativo e do Processo Judicial da Lei nº 8.429/1992, sobretudo no art. 17, §§ 6º e 8º, que as ações de improbidade devem estar pautadas em fartos elementos probatórios, em robusta fundamentação jurídica e em fatos concretos. Ou seja, exige que o titular da ação de improbidade demonstre já na petição inicial que os fatos por ele narrados constituem efetivamente improbidade administrativa. E mais, que esta acusação já possua amparo em provas convincentes. Em resumo, exige justa causa qualificada para a propositura e recebimento da ação.
Entretanto, mesmo com a existência desta obrigação, inúmeras ações de improbidade desprovidas de quaisquer indícios ou provas contundentes do suposto ato ímprobo continuam sendo propostas sem a menor responsabilidade e preocupação com a imagem do réu.
Nestes casos, cabe ao Juiz responsável pela ação realizar um exame criterioso e rigoroso e, caso entenda que não se trata de improbidade administrativa, extinguir o processo de plano. Há previsão legal expressa neste sentido denominada juízo prévio de admissibilidade da petição inicial (art. 17, §8º e 11). Esta fase é de suma importância, porque, “em tal momento processual, o juiz, antes mesmo de determinar a citação do réu, avaliará as alegações de fato e de direito e, principalmente, a existência de elementos probatórios suficientes à comprovação da prática de atos ímprobos, realizando um julgamento preliminar que poderá decretar a extinção do processo, evitando uma tramitação desnecessária”[4]. Esse também é o entendimento do Superior Tribunal de Justiça:
“Segundo a orientação desta Corte a inicial da Ação de Improbidade pode ser rejeitada (art. 17, § 8o. da Lei 8.492/92), sempre que, do cotejo da documentação apresentada, não emergirem indícios da prática do ato improbo. Esse tipo de ação, por integrar iniciativa de natureza sancionatória, tem o seu procedimento referenciado pelo rol de exigências que são próprias do Processo Penal contemporâneo, aplicável em todas as ações de Direito Sancionador”[5]
Portanto, é dever dos titulares da ação de improbidade administrativa (especialmente do Ministério Público) propor ações apenas quando efetivamente estiver diante de casos de improbidade, cabendo, por sua vez, ao Poder Judiciário realizar o controle desta atuação e extinguir os processos quando as referidas exigências não forem observadas. Trata-se de atuação republicana das mais relevantes, porque tem o poder de evitar que agentes públicos exemplares e cumpridores da lei sejam submetidos às mazelas de um processo desgastante e de graves repercussões como é o de improbidade, cuja simples existência constitui em si mesmo uma pena.
[1] STF, Tribunal Pleno, ADI 2797/DF, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, DJ. 19/12/2006. Destaques nossos.
[2] STF, Tribunal Pleno, ADI 2797/DF, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, DJ. 19/12/2006. Destaques nossos.
[3] GOMES DE MATTOS, Mauro Roberto. O Limite da Improbidade Administrativa. Rio de Janeiro, América Jurídica, 2009. p. 592.
[4] TRF4, 3ª Turma, AG nº 200404010060977, Rel. Des. Luiz Carlos de Castro Lugon, DJ. 11/08/2004. Destaques nossos.
[5] STJ, 1ª Turma. AgRg no AREsp 27704, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, DJ. 08/02/2012. Destaques nossos.