INEXISTÊNCIA DE SOLIDARIEDADE PRESUMIDA EM GRUPOS DE SOCIEDADES DE FATO OU DE DIREITO POR DÍVIDAS CIVIS

24 de setembro de 2018 - Direito Empresarial

(Franco Rangel de Abreu e Silva)

Em que pese a distinção técnica, com reflexos práticos, entre grupos de sociedades de fato e de direito, nessas duas hipóteses de concentração de poder econômico não se pode falar em solidariedade presumida por dívidas civis.[1] [2]

Motivos não faltam para justificar essa assertiva.

Primeiro, somente se cogita de solidariedade entre devedores. A sociedade que não consta como devedora por contrato ou por título, ressalvadas as exceções legais[3], não pode ser impelida ao cumprimento da obrigação (art. 389/art. 391, ambos do CC/2002).

A respeito, pondera Maria Helena Diniz que “A obrigação funda-se no fato de o devedor obrigar-se, p. ex., num contrato, a realizar uma prestação ao credor; essa auto vinculação é expressão da responsabilidade patrimonial do promitente, nela descansando a confiança que o credor lhe tem”.[4]

Segundo, é regra basilar do Direito Privado a prevista no art. 265 do CC/2002: “a solidariedade não se presume; resulta da lei ou da vontade das partes”.

Logo, esses obstáculos legais impedem a solidariedade presumida em grupos de sociedades de fato ou de direito por dívidas civis.

Nesse sentido, o Superior Tribunal de Justiça tem precedente: “Tratando-se de sociedades distintas, com razões sociais, objetos e patrimônios próprios, o simples fato de pertencerem ao mesmo grupo de empresas não as torna solidárias nas respectivas obrigações, sendo descabida a aplicação da teoria da aparência para, com isso, ampliar-se a legitimação no polo passivo de ação executiva”.[5]

Tal entendimento não é exatamente uma novidade nesse Tribunal Superior[6] e foi reiterado em Acórdão da Primeira Turma no ano de 2018: “O mero fato de pessoas jurídicas pertencerem a um mesmo grupo econômico não enseja, por si só, a responsabilidade solidária dessas entidades”.[7]

Esses julgados vêm ao encontro da própria finalidade da constituição de um grupo. Vera Helena de Mello Franco e Raquel Sztajn assinalam que “A técnica é bem conhecida no terreno das multinacionais, onde, além da vantagem de separar o risco derivado do mercado interno daquele advindo do mercado externo, há a possibilidade da instalação de unidades em diferentes países, compensando as vantagens fiscais, o custo da mão de obra ou do capital, de um e de outro centro, entre si, explorando vantagens competitivas e, sobretudo, evitando o requerimento de autorizações para funcionamento uma vez que as unidades são organizadas segundo a legislação de cada país. São, portanto, sociedades nacionais de capital estrangeiro”.

E prosseguem: “O resultado é a possibilidade de diluir o risco a limites desconhecidos na sociedade isolada. (…) No grupo, o fenômeno da dissociação entre poder e risco atinge o seu ponto máximo.[8]

Portanto, não existe solidariedade presumida em grupos de sociedades de fato ou de direito por dívidas civis.

[1]Uniões temporárias, como os consórcios empresariais, não foram objeto de análise neste texto.

[2] O presente texto não cogita das esferas tributária e trabalhista, sujeitas a regramento próprio.

[3] Por exemplo, art. 790 do CPC/2015

[4] DINIZ, Maria Helena. Código Civil anotado. 12. ed. São Paulo: Saraiva, 2006. p. 377.

[5] REsp 1404366/RS, Rel. Ministro RAUL ARAÚJO, QUARTA TURMA, julgado em 23/10/2014, DJe 09/02/2015.

[6] (..) I – EMBORA INTEGRANTES DO MESMO GRUPO EMPRESARIAL, AS EMPRESAS ALIENANTE E EXECUTADA TÊM PERSONALIDADE JURÍDICA PRÓPRIA. NA ESPÉCIE, NÃO HÁ NOTÍCIA DE QUE PENDESSE, EM RELAÇÃO À ALIENANTE, EXECUÇÃO FISCAL COM CRÉDITO REGULARMENTE INSCRITO QUANDO DA ALIENAÇÃO ORA QUESTIONADA. ADEMAIS, NÃO SE COGITA DE CRÉDITO SOLIDÁRIO PELO SIMPLES FATO DE AMBAS AS EMPRESAS ALIENANTE E EXECUTADA PERTENCEREM AO MESMO GRUPO ECONÔMICO. TAMPOUCO TEM A APLICAÇÃO A TEORIA DA DESCONSIDERAÇÃO DA PESSOA JURÍDICA, POIS, NO CASO, NÃO SE AFIRMOU QUE, ANTES DA ALIENAÇÃO QUESTIONADA, TIVESSE A EXECUTADA ALIENADO O BEM PENHORADO À ALIENANTE. HÁ DE CONSIDERAR-SE, AINDA, QUE A ALIENAÇÃO QUESTIONADA FOI PRECEDIDA DE ALVARÁ JUDICIAL EXPEDIDO PELO JUÍZO DA CONCORDATA, O QUE TORNA INACEITÁVEL RESPONSABILIZAR EMPRESA OUTRA QUE NÃO A EXECUTADA PELO DÉBITO COBRADO. (…)”

(REsp 28.168/SP, Rel. Ministro ANTÔNIO DE PÁDUA RIBEIRO, SEGUNDA TURMA, julgado em 14/06/1995, DJ 07/08/1995, p. 23026).

[7] AgRg no AREsp 549.850/RS, Rel. Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, PRIMEIRA TURMA, julgado em 08/05/2018, DJe 15/05/2018.

[8] FRANCO, Vera Helena de Mello. Direito Empresarial II. 3. ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2014. p. 293-294.