A RESPONSABILIDADE DOS ESTABELECIMENTOS COMERCIAIS NA GUARDA DE VEÍCULOS DE SEUS CLIENTES

27 de junho de 2019 - Direito Civil

(Leonardo Matos)

Não é raro vermos placas nos estacionamentos de estabelecimentos comerciais com avisos do tipo: “Não nos responsabilizamos por danos e/ou objetos deixados no interior do veículo.” Tais avisos, no entanto, não geram nenhum efeito jurídico para os consumidores, pois são nulos de pleno direito, por força do art. 25 do Código de Defesa do Consumidor[1].

Com efeito, a jurisprudência pátria tem reconhecido o dever dos estabelecimentos comerciais no tocante a guarda e vigilância dos veículos estacionados em suas dependências. Isto porque o que se materializa em verdade é um contrato de depósito, ainda que de forma tácita, de forma que o estabelecimento assume o dever de guarda do veículo, tornando-se assim responsável por eventuais prejuízos decorrentes de danos, furtos ou roubos ocorridos nas dependências do estacionamento do estabelecimento.

Quando o estabelecimento oferece estacionamento como atrativo aos seus clientes, propondo-se a guardar os veículos destes, ele aufere proveito econômico dessa relação, decorrendo daí o dever de indenizar, ainda que o estacionamento seja oferecido gratuitamente.

O Superior Tribunal de Justiça inclusive já editou a súmula n. 130, que adota este entendimento, estabelecendo que: “A empresa responde, perante o cliente, pela reparação de dano ou furto de veículo ocorridos em seu estacionamento.

Entretanto, recentemente o STJ passou a relativizar a aplicação desta súmula, estabelecendo novos critérios para que reste configurada a responsabilidade dos estabelecimentos comerciais nestes casos.

Em 2017, ao julgar o Recurso Especial n. 1431606 / SP, a terceira turma do STJ adotou o entendimento de que, no caso de estabelecimentos que exploram diretamente atividade econômica de guarda de veículos, ou ainda, no caso de estabelecimentos cuja existência do estacionamento seja imprescindível à exploração das suas atividades, tais como shopping centers e supermercados, a responsabilidade existirá, porque é certo que se cria no consumidor uma legítima expectativa de segurança na guarda do seu veículo.

Entretanto, nos demais casos, o entendimento adotado é de que, tratando-se de caso fortuito ou de força maior, como roubos, por exemplo, a responsabilidade do estabelecimento pode ser afastada. Foi com base neste entendimento, que a terceira turma afastou a responsabilidade de uma lanchonete de uma rede de fast-food de indenizar um cliente, vítima de um roubo ocorrido em um estacionamento externo e gratuito disponibilizado pelo estabelecimento.

O entendimento é de que, tratando-se de uma área aberta, gratuita e de livre acesso, o estacionamento, neste caso, representa uma mera comodidade ao cliente, de forma que eventuais prejuízos decorrentes de casos fortuitos ou de força maior não geram para o estabelecimento o dever de indenizar.

Este julgado deu origem ao recurso de Embargos de Divergência n. 1431606 / SP, onde recentemente, a segunda seção do Superior Tribunal de Justiça confirmou o entendimento adotado pela terceira turma, conforme se observa pela ementa do julgado, abaixo transcrita:

EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA. RECURSO ESPECIAL. LANCHONETE. ROUBO EM ESTACIONAMENTO GRATUITO, EXTERNO E DE LIVRE ACESSO. EMPREGO DE ARMA DE FOGO. CASO FORTUITO EXTERNO. SÚMULA Nº 130/STJ. INAPLICABILIDADE. RISCO ESTRANHO À NATUREZA DO SERVIÇO PRESTADO. AUSÊNCIA DE LEGÍTIMA EXPECTATIVA DE SEGURANÇA.

  1. O Superior Tribunal de Justiça, conferindo interpretação extensiva à Súmula n° 130/STJ, entende que estabelecimentos comerciais, tais como grandes shoppings centers e hipermercados, ao oferecerem estacionamento, ainda que gratuito, respondem pelos assaltos à mão armada praticados contra os clientes quando, apesar de o estacionamento não ser inerente à natureza do serviço prestado, gera legítima expectativa de segurança ao cliente em troca dos benefícios financeiros indiretos decorrentes desse acréscimo de conforto aos consumidores.
  2. Nos casos em que o estacionamento representa mera comodidade, sendo área aberta, gratuita e de livre acesso por todos, o estabelecimento comercial não pode ser responsabilizado por roubo à mão armada, fato de terceiro que exclui a responsabilidade, por se tratar de fortuito externo.
  3. Embargos de divergência não providos.[2]

Deste modo, conclui-se que, para a configuração de responsabilidade do estabelecimento pelos danos sofridos pelos clientes nos estacionamentos oferecidos, quando não se tratar de atividade econômica ligada diretamente a guarda de veículos, ou que dependa desta para a viabilidade da exploração da atividade principal, há que se observar se as circunstâncias do caso concreto, como: o tipo de estacionamento (se aberto ou fechado, se exclusivo ou não), o nível de segurança (existência de muros, cancelas, vigilância) e a forma que é oferecido (gratuita ou onerosa), são suficientes para criar no consumidor a legítima expectativa de segurança na guarda do seu veículo.

Tratando-se de estacionamento aberto, sem qualquer tipo de controle, e não guardando este uma relação direta com a atividade econômica explorada pelo estabelecimento, não pode este ser responsabilizado por eventuais danos decorrentes de casos fortuitos ou de força maior.

 

[1]     Art. 25. É vedada a estipulação contratual de cláusula que impossibilite, exonere ou atenue a obrigação de indenizar prevista nesta e nas seções anteriores.

[2] EREsp 1431606/SP, Rel. Ministra MARIA ISABEL GALLOTTI, SEGUNDA SEÇÃO, julgado em 27/03/2019, DJe 02/05/2019