A angústia dos precatórios.

16 de agosto de 2016 - Publicações
            Quem nunca ouviu ou até mesmo falou a frase “o Estado é um mau pagador”? Certamente a quase totalidade da população brasileira sofre direta ou indiretamente com este problema: não há quem não conheça ao menos uma pessoa ou empresa que não reclame por estar aguardando há anos (ou décadas!) para receber o famoso precatório.
            O precatório requisitório é criação brasileira. Mais uma jabuticaba que só encontramos em território tupiniquim. Trata-se de verdadeira institucionalização do calote em favor do Estado. Enquanto os cidadãos e empresas são obrigados a pagar em dia suas dívidas com o Estado, sob pena de responder com seu patrimônio e até mesmo criminalmente, a Fazenda possui prerrogativa de pagar suas dívidas quando bem entender. Infelizmente esta tem sido a realidade adotado em nosso país.
Atualmente, a regulamentação do precatório está prevista primordialmente no art. 100 da Constituição Federal, cujo caput preceitua que:
“Art. 100. Os pagamentos devidos pelas Fazendas Públicas Federal, Estaduais, Distrital e Municipais, em virtude de sentença judiciária, far-se-ão exclusivamente na ordem cronológica de apresentação dos precatórios e à conta dos créditos respectivos, proibida a designação de casos ou de pessoas nas dotações orçamentárias e nos créditos adicionais abertos para este fim”.
            Ou seja, “a Constituição Federal, em seu art. 100, disciplina os pagamentos devidos pela Fazenda Federal, Estadual e Municipal, em virtude de sentença judiciária, com a finalidade de assegurar a isonomia entre credores, impedindo dessa forma, em consonância com o princípio da impessoalidade, consagrado, no art. 37 do texto Magno, qualquer espécie de favorecimento, seja por razões políticas, seja por razões pessoais[1].
            Em resumo, a Constituição Federal estabelece que toda e qualquer condenação judicial que o Estado sofrer não será imediatamente paga. A dívida será incluída em uma fila e será saldada segundo a ordem cronológica de apresentação (as dívidas que foram incluídas antes deverão ser pagas anteriormente).
            Portanto, a única garantia constitucional que o cidadão possui é que o Estado ao menos observe a ordem cronológica de apresentação. Isto é, que as dívidas que forem apresentadas posterior não serão pagas antes da sua.
            Apesar da existência desta garantia, o fato é que até pouco tempo atrás a organização desta fila era feita pelo próprio Estado devedor (atualmente é regulada pelo Poder Judiciário – Tribunal), o que gerou em alguns casos a inobservância da ordem cronológica de apresentação. A quantidade de precatórios que são diariamente expedidos atrelada à desorganização do Estado, gerou uma verdadeira bagunça na lista: algumas dívidas foram incluídas na posição errada (atrás de outras dívidas mais recentes), outras dívidas foram realocadas em posição equivocada. Enfim, inúmeros titulares de precatórios foram prejudicados (e ainda estão sendo) sem ao menos saber.
            Naturalmente que o cidadão não está desamparado destes desmandos do Poder Público. Ao constatar que efetivamente houve quebra na ordem cronológica de pagamento do seu precatório, os cidadãos e as empresas podem socorrer-se do Poder Judiciário para restabelecer a ordem. Há previsão constitucional expressa que autoriza a impetração de Mandado de Segurança nestes casos: conceder-se-á mandado de segurança para proteger direito líquido e certo, não amparado por “habeas-corpus” ou “habeas-data”, quando o responsável pela ilegalidade ou abuso de poder for autoridade pública ou agente de pessoa jurídica no exercício de atribuições do Poder Público” (art. 5o, LXIX, da CF).
            Aliás, nestas hipóteses seria admissível até mesmo a determinação de sequestro de verbas públicas do Estado para regularizar o pagamento do cidadão que foi preterido:
“RECLAMAÇÃO. PRECATÓRIO. CONCILIAÇÃO. QUEBRA DA ORDEM: SEQÜESTRO DE VERBAS PÚBLICAS. AFRONTA À DECISÃO PROFERIDA NA ADI 1662-SP: INEXISTÊNCIA. 1. Ordem de seqüestro fundada na existência de preterição do direito de precedência. Motivo suficiente para legitimar o saque forçado de verbas públicas. 2. Quebra da cronologia de pagamentos comprovada pela quitação de dívida mais recente por meio de acordo judicial. A conciliação não possibilita a inobservância, pelo Estado, da regra constitucional de precedência, com prejuízo ao direito preferencial dos precatórios anteriores. 3. A mutação da ordem caracteriza violação frontal à parte final do § 2 do artigo 100 da Constituição Federal, legitimando a realização do seqüestro solicitado pelos exeqüentes prejudicados. Ausência de afronta à autoridade da decisão proferida na ADI 1662-SP. Reclamação improcedente”[2].
Superada esta etapa de receber o valor do precatório com observância da ordem cronológica, surge outra barreira: receber o valor correto. Como o pagamento do precatório ocorrerá muitos anos após a inclusão da dívida na lista (o Estado do Paraná, por exemplo, está pagando hoje precatórios de 20 anos atrás), outra preocupação do cidadão é com a natural desvalorização do montante que lhe é devido.
Em razão disso, é fundamental que se acompanhe de perto o andamento do precatório, a fim de que o setor do Tribunal responsável atualize e corrija adequadamente o valor, evitando-se, assim, que o pagamento seja inferior ao que efetivamente era devido quando da condenação judicial.
Neste ponto, outra preocupação permanente do titular do precatório tem que ser com a apuração do valor devido e não apenas com a correção e atualização do valor. Explica-se: o valor que deverá ser pago pelo ente público deverá observar os parâmetros que haviam sido fixados pelo Poder Judiciário quando julgou a ação que deu origem ao precatório.
Por exemplo, o Estado foi condenado a pagar determinada indenização a partir de uma data “x”, valor este que deverá ser corrigido a partir da data “y” e sobre o qual deverá incidir juros de mora de 1%. Absolutamente todas estas premissas devem ser adotadas para a apuração do valor final. Caso verifique-se que o valor do precatório não corresponde ao que foi determinado nesta decisão judicial (aplicação de 0,5% de juros ao invés dos 1% previstos no exemplo hipotético), a parte prejudicada também poderá ingressar no Poder Judiciário (contenciosa ou administrativamente) para assegurar o seu direito:
“Constatado erro material ou inexatidão nos cálculos, compete ao Presidente do Tribunal determinar as correções, fazendo-o a partir dos parâmetros do título executivo judicial, ou seja, da sentença exequenda”[3].
Tendo em vista este panorama – que representa (infelizmente) apenas uma pequena parcela das dificuldades enfrentadas pelo cidadão na temática dos precatórios – é de fundamental importância que exista por parte de cada um dos credores do Estado vigilância permanente, para que ao menos as garantias mínimas asseguradas pela Constituição Federal sejam observadas.
[1] MORAES, Alexandre de. Direito constitucional, 19a ed. São Paulo: Atlas, 2006. p. 538.
[2] STF, Pleno, Rcl n. 1979, Rel. Min. Maurício Corrêa, DJ. 02/08/2002. Destaques nossos.
[3] STF, Pleno, ADI n. 1098, Rel. Min. Marco Aurélio, DJ. 25/10/1996. Destaques nossos.