Credores de empresas em recuperação judicial devem ficar atentos aos prazos para a apresentação de divergências ou impugnação de créditos

20 de agosto de 2019 - Direito Empresarial

(Leonardo Matos)

O instituto da recuperação judicial tem por objetivo viabilizar a superação da situação de crise econômico-financeira do devedor, a fim de permitir a manutenção da fonte produtora, do emprego dos trabalhadores e dos interesses dos credores, promovendo, assim, a preservação da empresa, sua função social e o estímulo à atividade econômica (art. 47, da Lei n. 11.101/2005 – Lei de Falência e Recuperação Judicial – LFRE).

É justamente em razão da importância da função social que as empresas possuem que o legislador brasileiro estabeleceu, através do processo de recuperação judicial, uma distribuição dos ônus decorrentes do processo de soerguimento entre a empresa devedora e seus credores, os quais poderão ter seus créditos afetados em maior ou menor grau. Assim, todos os interessados devem ter uma participação ativa e colaborativa no procedimento de recuperação.

O procedimento recuperacional tem início quando o requerente apresenta com sua petição inicial, dentre outros documentos, uma relação nominal completa dos credores, contendo suas informações, a natureza, a classificação e o valor atualizado do crédito.

Deferido o processamento do pedido de recuperação, o juiz determinará a expedição de um edital contendo esta relação, advertindo ainda os credores sobre os prazos para habilitação dos créditos omitidos na relação, ou ainda, para a apresentação divergência, caso identifiquem algum erro relacionado ao seu crédito.

Esta é a primeira oportunidade que os credores têm para se manifestarem, manifestação esta, que deverá ser direcionada ao próprio administrador judicial, no prazo de 15 (quinze) dias, contados da publicação do primeiro edital contendo a relação dos créditos (art. 7º, §1º, da LFRE[i]).

O administrador, com base nas informações e documentos apresentados pelos credores neste interregno, em um prazo de 45 (quarenta e cinco) dias, contados do fim do prazo de quinze dias, irá então publicar um novo edital contendo a relação atualizada dos créditos e suas classificações.

Ocorre que, não raras vezes, os credores não observam o prazo previsto no § 1º do artigo 7º, seja por não terem tomado conhecimento da instauração do processo de recuperação, seja por desconhecerem o prazo estabelecido pela LFRE.

Apesar da lei de regência não mais autorizar a habilitação de crédito omitido ou a apresentação de divergência de forma administrativa após o decurso do prazo previsto no §1º do art. 7º, ela ainda permite que os credores procedam com habilitação ou impugnação, no entanto, apenas de forma judicial, por intermédio de advogados e com o recolhimento de custas processuais.

Neste caso, a impugnação dos créditos se dará por meio de um incidente processual, dirigido ao próprio juízo falimentar, no prazo de 10 (dez) dias contados da publicação da relação de credores formulada pelo administrador judicial, conforme estabelecido no art. 8º caput e par. único da LFRE[ii].

Não sendo observado este prazo de dez dias, a Lei de Falência e Recuperação Judicial traz consequências diferentes para os credores que tiveram seus créditos arrolados com alguma informação divergente e face aos credores que tiveram seus créditos totalmente omitidos do quadro.

Tratando-se da ausência do crédito na relação apresentada pelo administrador, o credor poderá, mesmo escoado o prazo do art. 8º, apresentar habilitação retardatária enquanto não ocorrer a homologação do quadro-geral de credores (art. 10 da Lei 11.101/05[iii]).

Por outro lado, não há na referida legislação previsão equivalente para a impugnação retardatária. Desta forma, uma vez expirado o prazo previsto no art. 8º da LFRE, os credores que tiveram seus créditos arrolados com alguma incorreção, não poderão mais impugnar os créditos na forma dos art. 13 e 15 da LFRE.O prazo de 10 (dez) dias previsto no referido dispositivo é um prazo peremptório específico, estipulado expressamente na lei de regência.

Este foi entendimento firmado pela Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça ao julgar o Recurso Especial n. 1704201/RS, julgado em 07 de maio do corrente ano, que ficou assim ementado:

“RECURSO ESPECIAL. RECUPERAÇÃO JUDICIAL. IMPUGNAÇÃO DE CRÉDITO. INTEMPESTIVIDADE. DECURSO DO PRAZO DO ART. 8º, CAPUT, DA LEI 11.101/05.

  1. Recuperação judicial requerida em 5/2/2010. Recurso especial interposto em 20/6/2016 e concluso ao Gabinete do Relator em 7/7/2017.
  2. O propósito recursal é definir se, no curso do processo de recuperação judicial, a impugnação de crédito apresentada fora do prazo de 10 dias previsto no caput do art. 8º da Lei 11.101/05 pode ter seu mérito apreciado pelo juízo.
  3. A norma do artigo retro citado contém regra de aplicação cogente, que revela, sem margem para dúvida acerca de seu alcance, a opção legislativa a incidir na hipótese concreta. Trata-se de prazo peremptório específico, estipulado expressamente pela lei de regência.
  4. Eventual superação de regra legal deve ser feita de forma excepcional, observadas determinadas condições específicas, tais como elevado grau de imprevisibilidade, ineficiência ou desigualdade, circunstâncias não verificadas na espécie.

RECURSO ESPECIAL NÃO PROVIDO.”[iv]

Discutiu-se durante o julgamento deste recurso se a Lei n. 11.101/2005 estaria conferindo tratamento discriminatório aos credores que não tiveram seus créditos arrolados inicialmente e aqueles que os tiveram, mas com incongruências.

A conclusão a que chegaram os ministros, após a inauguração de voto divergente apresentado pela Ministra Nancy Andrighi, foi pela inexistência de tratamento discriminatório.

Isto porque todos os credores constantes da relação nominal que acompanha a petição inicial do processo de recuperação são inicialmente comunicados pelo administrador judicial acerca da natureza, do valor e da classificação dos seus créditos (art. 22, I, “a”, da LFRE[v]).

Assim, o credor-impugnante já teve ciência prévia da instauração do processo de soerguimento, podendo desde já adotar as medidas necessárias para a retificação de eventuais incorreções relacionadas ao crédito arrolado.

O mesmo não ocorre com o credor que teve seu crédito omitido da relação inicial, de forma que não se tem certeza de quando este tomou conhecimento do processamento da recuperação judicial da devedora.

Por tal razão, a lei falimentar garante um prazo mais amplo para o credor que busca a habilitação retardatária, face àquele que, em razão de já ter constado da lista, fora comunicado previamente pelo administrador.

Conclusão

O processo de recuperação depende do auxílio de todos os interessados, especialmente dos credores que tiveram os seus créditos inscritos na recuperação, não podendo se permitir conturbar indefinidamente o procedimento mediante a aceitação de impugnações formuladas no curso de toda a ação de recuperação.

Assim, o prazo de 10 (dez) dias fixado no art. 8º da LFRE é preclusivo, de forma que não deverão ser aceitas as impugnações com a inobservância deste prazo.

Há que se ressaltar, por fim, que escoado o prazo do art. 8º, o credor-impugnante apenas poderá opor-se ao quadro geral de credores, por meio de ação de rito ordinário, de conteúdo rescisório, prevista no art. 19 da LFRE[vi], a qual apenas terá cabimento, enquanto não encerrada a recuperação judicial – ou a falência – nas hipóteses de “descoberta falsidade, dolo, simulação, fraude, erro essencial ou caso se descubram documentos ignorados na época do julgamento do crédito ou da inclusão no quadro geral de credores”,

Incidindo quaisquer destas hipóteses, o credor terá o direito de pedir a exclusão, outra classificação ou a retificação do seu crédito.

No entanto, uma vez julgada procedente esta demanda, o credor apenas poderá receber os créditos caso preste caução no mesmo valor (art. 19, §2º, LFRE[vii]).

Assim, fica evidente a importância da apresentação da impugnação dos créditos no prazo estabelecido no art. 8º, da LFRE, caso o credor não tenha observado o prazo para a apresentação de divergência previsto no art. 7º, §1º, da mesma lei.

[i] Art. 7º, § 1º Publicado o edital previsto no art. 52, § 1º , ou no parágrafo único do art. 99 desta Lei, os credores terão o prazo de 15 (quinze) dias para apresentar ao administrador judicial suas habilitações ou suas divergências quanto aos créditos relacionados.

[ii] Art. 8º No prazo de 10 (dez) dias, contado da publicação da relação referida no art. 7º , § 2º , desta Lei, o Comitê, qualquer credor, o devedor ou seus sócios ou o Ministério Público podem apresentar ao juiz impugnação contra a relação de credores, apontando a ausência de qualquer crédito ou manifestando-se contra a legitimidade, importância ou classificação de crédito relacionado.

Parágrafo único. Autuada em separado, a impugnação será processada nos termos dos arts. 13 a 15 desta Lei.

[iii] Art. 10. Não observado o prazo estipulado no art. 7º , § 1º, desta Lei, as habilitações de crédito serão recebidas como retardatárias.

[iv] REsp 1704201/RS, Rel. Ministro PAULO DE TARSO SANSEVERINO, Rel. p/ Acórdão Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 07/05/2019, DJe 24/05/2019.

[v] Art. 22. Ao administrador judicial compete, sob a fiscalização do juiz e do Comitê, além de outros deveres que esta Lei lhe impõe: I – na recuperação judicial e na falência: a) enviar correspondência aos credores constantes na relação de que trata o inciso III do caput do art. 51, o inciso III do caput do art. 99 ou o inciso II do caput do art. 105 desta Lei, comunicando a data do pedido de recuperação judicial ou da decretação da falência, a natureza, o valor e a classificação dada ao crédito;

[vi] Art. 19. O administrador judicial, o Comitê, qualquer credor ou o representante do Ministério Público poderá, até o encerramento da recuperação judicial ou da falência, observado, no que couber, o procedimento ordinário previsto no Código de Processo Civil, pedir a exclusão, outra classificação ou a retificação de qualquer crédito, nos casos de descoberta de falsidade, dolo, simulação, fraude, erro essencial ou, ainda, documentos ignorados na época do julgamento do crédito ou da inclusão no quadro-geral de credores.

[vii] Art. 19, § 2º Proposta a ação de que trata este artigo, o pagamento ao titular do crédito por ela atingido somente poderá ser realizado mediante a prestação de caução no mesmo valor do crédito questionado.