(Alex Pacheco)
Em 27 de janeiro de 2023, a tragédia ocorrida na Boate Kiss em Santa Maria (RS) completou dez anos. Como parte do registro da data, a plataforma de streaming Netflix lançou uma série chamada “Todo Dia a Mesma Noite”, que retrata o drama vivido pelas vítimas e familiares.
A série foi baseada em um livro homônimo da jornalista Daniela Arbex, que contém relatos e entrevistas com sobreviventes, familiares de vítimas e outras pessoas envolvidas nos resgates.
Contudo, após o lançamento da série, um grupo de familiares de algumas vítimas, que se queixam da exploração comercial da tragédia, noticiou que pretende processar a Netflix.
Segundo a advogada representante desses familiares, antes da formalização de uma representação judicial, o grupo de familiares pretende dialogar com a Netflix, uma vez que a principal questão seria a falta de sensibilidade da plataforma de streaming.
Com isso, chega-se à seguinte questão. A Netflix pode explorar comercialmente a história da tragédia?
Por um lado, há a Lei de Direitos Autorais (lei 9610/98), que em seu art. 29 elenca quando seria necessário autorização para utilização da obra. O inciso V desse artigo entende que: “Depende de autorização prévia e expressa do autor a utilização da obra, por quaisquer modalidades, tais como: a inclusão em fonograma ou produção audiovisual”.
A mesma lei prevê em seu art. 81 que “A autorização do autor e do intérprete de obra literária, artística ou científica para produção audiovisual implica, salvo disposição em contrário, consentimento para sua utilização econômica”.
Ou seja, se considerarmos a Lei dos Direitos Autorais, a Netflix, ao possuir a autorização de quem escreveu o livro, poderia comercializar a série lançada.
Por outro lado, a Constituição Federal protege a honra e a imagem das pessoas através do art. 5º inciso X: “são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito à indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação”.
Nesse aspecto, deve ser analisado se houve de fato violação à imagem ou à honra das vítimas da tragédia, ou até mesmo violação ao sentimento de luto para se pleitear algum tipo de indenização ou buscar alguma outra medida junto à plataforma Netflix.
Vale lembrar que a própria Constituição Federal[1] e o Código Civil[2], preveem a adoção de medidas para exigir que cesse ameaça ou lesão ao direito de personalidade.
[1] Art. 5º (…) X – são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação;
[2] Art. 12. Pode-se exigir que cesse a ameaça, ou a lesão, a direito da personalidade, e reclamar perdas e danos, sem prejuízo de outras sanções previstas em lei. Parágrafo único. Em se tratando de morto, terá legitimação para requerer a medida prevista neste artigo o cônjuge sobrevivente, ou qualquer parente em linha reta, ou colateral até o quarto grau. (…) Art. 20. Salvo se autorizadas, ou se necessárias à administração da justiça ou à manutenção da ordem pública, a divulgação de escritos, a transmissão da palavra, ou a publicação, a exposição ou a utilização da imagem de uma pessoa poderão ser proibidas, a seu requerimento e sem prejuízo da indenização que couber, se lhe atingirem a honra, a boa fama ou a respeitabilidade, ou se se destinarem a fins comerciais. (Vide ADIN 4815) Parágrafo único. Em se tratando de morto ou de ausente, são partes legítimas para requerer essa proteção o cônjuge, os ascendentes ou os descendentes.