(Letícia Masiero)
Conforme amplamente noticiado, o submarino da OceanGate Expeditions, Ltd., que estava desaparecido, implodiu. Titan, como foi batizado, contava com cinco passageiros no momento do acidente, os quais contrataram a empresa para uma expedição aos destroços do navio Titanic.
Os tripulantes da embarcação subaquática assinaram um termo, assumindo a total responsabilidade sobre as possíveis consequências advindas de problemas técnicos, falha na operação ou até negligência da OceanGate, renunciando expressamente a possibilidade de responsabilizá-la, conforme trecho a seguir:
“Eu entendo os riscos inerentes às atividades que serão realizadas durante a operação, e assumo total responsabilidade por todos os riscos de danos materiais, ferimentos, invalidez e morte…. Concordo em defender, indenizar, salvar e isentar a OceanGate Expeditions, Ltd. de qualquer perda, responsabilidade, dano ou custos que possam incorrer devido a qualquer reclamação apresentada em violação deste termo (…)”
Ou seja, mesmo que um dos milionários que contrataram a viagem viesse a óbito (exatamente o que aconteceu), a OceanGate não teria nenhum ônus ou obrigação, já que o risco foi assumido pelo cliente.
Em razão disso, iniciou-se o debate acerca da legalidade e da aplicabilidade do termo de responsabilidade, já que o incidente com o submersível ocorreu em águas internacionais, área marítima que não se submete à jurisdição de nenhuma nação, muito embora existam direitos humanos universais que não podem ser renunciados, a exemplo da vida.
Mas e se fosse aplicada a legislação brasileira ao caso, referida cláusula contratual seria válida? A resposta é não.
De modo simplista, trata-se de um contrato de prestação de serviços de turismo subaquático que seria regido pela legislação consumerista brasileira, a qual prevê que a proteção à vida, saúde e segurança contra os riscos provocados pelo fornecimento de serviços perigosos ou nocivos, consiste em um direito básico do consumidor.
A cláusula que prevê a renúncia ao direito de pleitear eventual responsabilização pelo falecimento estaria em pleno conflito com o direito fundamental à vida, constitucionalmente assegurado e pertencente ao rol dos direitos indisponíveis, os quais não podem ser negociados por mera liberalidade.
Neste âmbito, em uma perspectiva civilista, a cláusula seria nula por ter como objeto um negócio jurídico ilícito, já que contém uma disposição contrária ao direito fundamental à vida.
Portanto, em que pese os passageiros do Titan terem assinado “termo de consentimento”, no direito brasileiro, as famílias poderiam pleitear as indenizações cabíveis em desfavor da Ocean Gate, visto que o contrato seria nulo de pleno direito, mencionando, ainda a questão de negligência da empresa, o que ensejaria a responsabilidade civil subjetiva, mediante a efetiva comprovação de culpa.