A USUCAPIÃO ESPECIAL URBANA TAMBÉM É CABÍVEL NO CASO DE IMÓVEIS MISTOS

23 de junho de 2020 - Direito Civil

(Leonardo Matos de Liz Ribeiro)

A usucapião especial urbana, também chamada de usucapião pro morare ou pro habitatione, tem por escopo garantir a moradia a pessoas de baixa renda, que não sejam proprietárias de outro imóvel além daquele que possuem e habitam.

Em razão dessa finalidade especial, essa modalidade de usucapião possui um prazo bastante reduzido (apenas cinco anos). Mas por outro lado, ela traz também requisitos que as demais modalidades não trazem, como por exemplo, a exigência de que a área do imóvel a ser usucapido não ultrapasse 250 m².

Por conta de sua grande importância para o interesse comum e o bem-estar social, essa espécie de usucapião foi inserida no próprio corpo da Constituição Federal de 1988 (art. 183[i]), razão pela qual também é chamada de Usucapião Constitucional. Além disso, o texto desse dispositivo foi posteriormente reproduzido no Código Civil Brasileiro, em seu art. 1.240[ii].

Por se tratar de uma modalidade especial, que visa a garantia do direito de moradia, um requisito essencial a ela é a necessidade de que o usucapiente, ou sua família, tenham estabelecido sua moradia no imóvel por pelo menos o prazo de cinco anos.

Recentemente o Superior Tribunal de Justiça teve a oportunidade de apreciar um caso envolvendo essa modalidade de usucapião, que não é raro de se ver no Brasil.

Os autores de uma ação de usucapião especial urbana, pretendiam adquirir a propriedade do imóvel em que moravam, porém, no qual também tinham uma bicicletaria. Ou seja, um imóvel misto, utilizado para fins residenciais e comerciais.

Entendendo que o fato de os autores explorarem parte do imóvel economicamente não se conciliaria com a finalidade da usucapião especial, o magistrado que apreciou o caso em primeiro grau julgou a ação parcialmente procedente, apenas com relação à parte utilizada para fins residenciais.

Nesse ponto a sentença foi mantida pelo Tribunal de Justiça do Tocantins, que também entendeu que a parte utilizada para a exploração de atividade comercial não poderia ser usucapida por essa via.

Entretanto, ao julgar o Recurso Especial  interposto pelos autores (REsp n. 1.777.404 – TO), os Ministros da Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça reformaram o acórdão do tribunal, julgando procedente o pedido de usucapião com relação à integralidade do imóvel.

O principal fundamento em que se apoiou a decisão da turma foi no sentido de que a lei não apresenta o impedimento apontado pelo tribunal de origem. Isto é, não existe qualquer previsão legal que proíba a usucapião de um imóvel por essa via quando ele, além de moradia, também sirva para o exercício de atividade comercial ou profissional do usucapiente ou de seus familiares. A lei exige que o imóvel seja destinado para fins de residência, todavia não exige que ele se destine exclusivamente a essa finalidade.

Os Ministros ainda ressaltaram que a realidade do caso dos autores é a realidade de muitos brasileiros, de maneira que a interpretação restritiva adotada pelo tribunal de origem iria inclusive contra os princípios da valorização do trabalho humano e da busca pelo desenvolvimento pessoal e profissional.

Assim, a conclusão da turma foi no sentido de que:

“O art. 1.240 do CC/2002 não direciona para a necessidade de destinação exclusiva residencial do bem a ser usucapido. Assim, o exercício simultâneo de pequena atividade comercial pela família domiciliada no imóvel objeto do pleito não inviabiliza a prescrição aquisitiva buscada.”.

O recurso foi relatado pela Ministra Nancy Andrighi, cujo voto condutor foi acompanhado pelos demais Ministros de forma unânime.


[i] Art. 183. Aquele que possuir como sua área urbana de até duzentos e cinqüenta metros quadrados, por cinco anos, ininterruptamente e sem oposição, utilizando-a para sua moradia ou de sua família, adquirir-lhe-á o domínio, desde que não seja proprietário de outro imóvel urbano ou rural.

[ii] Art. 1.240. Aquele que possuir, como sua, área urbana de até duzentos e cinqüenta metros quadrados, por cinco anos ininterruptamente e sem oposição, utilizando-a para sua moradia ou de sua família, adquirir-lhe-á o domínio, desde que não seja proprietário de outro imóvel urbano ou rural.