PANDEMIA DE RESTRIÇÕES

30 de março de 2021 - Direito Administrativo

(Victor Leal)

Em 19/03/2021, o Presidente do Tribunal de Contas do Estado do Paraná determinou a suspensão do transporte coletivo no Município de Curitiba, como uma forma de “restringir a circulação de pessoas para frear o avanço do contágio[1] do novo coronavírus.

No mesmo dia, a decisão foi suspensa pelo Tribunal de Justiça do Estado do Paraná[2].

A medida do TCE se soma ao emaranhado de ordens restritivas ao funcionamento das atividades cotidianas, que têm sido diariamente aplicadas durante a pandemia. Essas restrições, sem nenhuma uniformidade ou continuidade, trazem imensa insegurança jurídica e geram um ambiente de total imprevisibilidade.

Vejamos o exemplo da decisão do TCE: às 15h25 do dia 19 de março foi publicada a suspensão do funcionamento do transporte com eficácia a partir da madrugada daquele mesmo dia. Minutos antes da medida se tornar eficaz, às 23h25, o Tribunal de Justiça reconheceu sua ilegalidade. O transporte não parou, mas qual o planejamento que alguém que se desloca por Curitiba poderia fazer?

Isso evidencia ainda uma questão de grande relevância: quem pode aplicar medidas restritivas?

Em meio ao agravamento da pandemia, tem-se visto notícias de limitações à liberdade aplicadas por pessoas sem atribuição legal ou técnica para fazê-lo. Isso vai de síndicos de condomínios ao Presidente do Tribunal de Contas. Sem falar na dissonância entre os decretos, decisões, portarias e canetadas. Cada um usando um critério diferente para o que é essencial, para ampliar ou reduzir horários e definir a vida das pessoas com base em suas convicções e suposições.

Voltemos ao caso do Tribunal de Contas. A medida evidencia uma clara ingerência do Poder Público nos atos de responsabilidade exclusiva dos Governos Estaduais e Municipais, conforme já decidiu o Supremo Tribunal Federal.

A competência do Tribunal de Contas do Estado está estritamente vinculada aos ditames constitucionais[3], cabendo ao TCE a fiscalização contábil, financeira, orçamentária, operacional e patrimonial das entidades da administração pública. Não cabe ao TCE adotar medidas relacionadas à pandemia e isso é muito evidente juridicamente. Justamente por isso causa preocupação a proliferação de restrições sem nenhuma base legal.  

Não bastasse ser totalmente alheio a sua atribuição, impedir o transporte coletivo é algo nitidamente descabido. É um serviço público de caráter essencial por definição constitucional[4] e lógica.

A própria determinação do TCE de que a prefeitura deveria providenciar o transporte dos profissionais de saúde é prova dessa essencialidade, mas é também sua maior incoerência com a realidade. Como poderia a prefeitura providenciar em menos de 24 horas transporte particular para mais de 50 mil profissionais de saúde?

Isso sem falar na área de segurança pública. Todos do efetivo das Polícias Civil e Militar, além da Guarda Municipal, que não disponham de veículo próprio, não conseguiriam chegar a seus postos de trabalho. 

Portanto, é claro que, do ponto de vista legal e principalmente prático, o transporte coletivo não pode ser suspenso.

Ao que se nota, esse foi mais um indesejável exemplo de ingerência indevida sobre medidas restritivas durante a pandemia. É essencial, nesse cenário, que se observem as competências legais para definição de restrições e que as decisões sejam racionais, levando em conta todos os elementos da gestão pública.


[1] https://www1.tce.pr.gov.br/noticias/em-nota-presidente-do-tce-pr-explica-decisao-de-restringir-transporte-em-curitiba/8843/N

[2]              TJPR, Mandado de Segurança nº. 0016170-94.2021.8.16.0000.

[3]              Art. 70. A fiscalização contábil, financeira, orçamentária, operacional e patrimonial da União e das entidades da administração direta e indireta, quanto à legalidade, legitimidade, economicidade, aplicação das subvenções e renúncia de receitas, será exercida pelo Congresso Nacional, mediante controle externo, e pelo sistema de controle interno de cada Poder.

[4] Art. 30. Compete aos Municípios: V – organizar e prestar, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, os serviços públicos de interesse local, incluído o de transporte coletivo, que tem caráter essencial;