PEDIDO DE RECUPERAÇÃO JUDICIAL É PERMITIDO PARA EMPRESA CONSTITUÍDA HÁ MENOS DE DOIS ANOS

17 de dezembro de 2019 - Direito Administrativo

(Leonardo Matos)

A recuperação judicial objetiva viabilizar a superação da situação de crise econômico-financeira da empresa devedora, de modo a permitir a manutenção da fonte produtora, de emprego e a preservação dos interesses dos próprios credores, reconhecendo a importância da função social da empresa (art. 47 da Lei n. 11.101/2005 – Lei de Falência e Recuperação Judicial [i]).

Para poder formular um pedido de recuperação judicial o empresário deverá comprovar o preenchimento de alguns requisitos cumulativos que a própria LRF estabelece, em seu art. 48 [ii]:

Estar, no momento do pedido, exercendo suas atividades regularmente há mais de 2 (dois) anos;

 

Apesar de não estarem previstos na legislação em comento, os grupos econômicos são uma realidade em todo o mundo. Em razão dos efeitos decorrentes da globalização, as empresas tiveram de buscar meios de se adaptar, sendo uma das alternativas, a criação de conglomerados empresariais, de forma que, através da união de esforços em prol de objetivos comuns, passaram a buscar a redução dos seus custos e a maximização dos lucros.

Ocorre que, assim como as empresas individuais, os grupos de sociedades também estão sujeitos às turbulências dos mercados. Assim, muitos grupos de empresas passaram a se valer do instituto da recuperação, com o objetivo de se reerguer como um todo, de forma que as empresas passaram a elaborar planos recuperacionais prevendo uma coordenação e atuação conjunta para o sucesso dos planos.

Embora não exista previsão expressa na Lei n. 11.101/05, tanto a doutrina como a jurisprudência têm admitido a possibilidade de empresas integrantes de um mesmo grupo formularem o pedido conjuntamente, desde que todas as empresas preencham os requisitos previstos na lei (incluindo o prazo de dois anos estabelecido no caput do já citado art. 48).

A razão decorre do fato de cada sociedade, embora integrante de um mesmo grupo, preservar sua individualidade e possuir personalidade jurídica própria, distinta das demais. Assim, cada uma deve, de forma isolada, comprovar o preenchimento de todos os requisitos exigidos pela lei.

O prazo de dois anos fixado pelo legislador tem o intuito de reservar o uso do instituto às empresas que já estão consolidadas no mercado, àquelas empresas cuja ruína é capaz de trazer impactos negativos no seio onde está inserida, o que justifica, em certo grau, os sacrifícios que os credores são obrigados suportar.

Apesar da sólida jurisprudência no sentido de que cada sociedade deve comprovar de forma isolada o preenchimento destes requisitos, o Superior Tribunal de Justiça recentemente reconheceu a possibilidade de flexibilização da norma, levando em conta algumas particularidades que o caso específico apresentava.

Ao relatar o Recurso Especial n. 1.665.042-RS[iii], o Min. Ricardo Villas Bôas Cueva deu provimento ao recurso de três empresas integrantes do mesmo grupo, que tentavam obter a concessão da recuperação judicial de forma conjunta, a despeito de uma delas ter sido constituída a menos de 02 (dois) anos da data do pedido.

As distinções do caso residem no fato de que a empresa, cujo pedido havia sido negado, havia sido criada há menos de dois anos, porém, advir do processo de cisão de outra empresa que já exercia suas atividades regularmente há mais de 40 (quarenta) anos. Outro ponto relevante para o provimento do recurso foi o fato de terem sido transferidas diversas lojas (23) que à empresa cindenda, as quais, em sua maioria, já haviam sido constituídas há mais de dois anos.

O relator também explicitou que, em razão de a nova empresa ter prosseguido atuando no mesmo ramo de atividade da empresa cindida, sem a interrupção das atividades, o pedido era possível.

No voto condutor, o Ministro destacou que, nos termos do § 1º do art. 229 da Lei nº 6.404/1976[iv] (Lei das Sociedades Anônimas), “a sociedade que absorver parcela do patrimônio da companhia cindida sucede a esta nos direitos e obrigações relacionados no ato da cisão“, assim, a nova empresa fazia jus ao pedido, pois sucedeu os direitos e obrigações de sociedades que haviam sido concebidas por período superior ao exigido pela LRF. A Terceira Turma do STJ acompanhou de forma unânime o voto do relator.

 

 

[i] Art. 47. A recuperação judicial tem por objetivo viabilizar a superação da situação de crise econômico-financeira do devedor, a fim de permitir a manutenção da fonte produtora, do emprego dos trabalhadores e dos interesses dos credores, promovendo, assim, a preservação da empresa, sua função social e o estímulo à atividade econômica.

[ii] Art. 48. Poderá requerer recuperação judicial o devedor que, no momento do pedido, exerça regularmente suas atividades há mais de 2 (dois) anos e que atenda aos seguintes requisitos, cumulativamente:

I – não ser falido e, se o foi, estejam declaradas extintas, por sentença transitada em julgado, as responsabilidades daí decorrentes;

II – não ter, há menos de 5 (cinco) anos, obtido concessão de recuperação judicial;

III – não ter, há menos de 5 (cinco) anos, obtido concessão de recuperação judicial com base no plano especial de que trata a Seção V deste Capítulo;

IV – não ter sido condenado ou não ter, como administrador ou sócio controlador, pessoa condenada por qualquer dos crimes previstos nesta Lei.

[iii] REsp 1665042/RS, Rel. Ministro RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA, TERCEIRA TURMA, julgado em 25/06/2019, DJe 01/07/2019

[iv] Art. 229, § 1º Sem prejuízo do disposto no artigo 233, a sociedade que absorver parcela do patrimônio da companhia cindida sucede a esta nos direitos e obrigações relacionados no ato da cisão; no caso de cisão com extinção, as sociedades que absorverem parcelas do patrimônio da companhia cindida sucederão a esta, na proporção dos patrimônios líquidos transferidos, nos direitos e obrigações não relacionados.