REEQUILÍBRIO DOS CONTRATOS DE CONCESSÃO DE SERVIÇOS PÚBLICOS DE TRANSPORTES

25 de novembro de 2020 - Direito Administrativo

(Franciele Silva)

O alastramento do novo coronavírus pelo país levou a uma restrição das atividades rotineiras da população, a qual resultou na estagnação da economia de uma forma geral e um dos setores mais atingidos é o de transportes públicos. A limitação de circulação de pessoas reduziu a quantidade de usuários dos sistemas de transporte, causando prejuízos financeiros históricos às companhias aéreas, concessionárias de transportes terrestres como ônibus, metrô e trens, dentre outros.

Um ponto que merece atenção especial em relação a estas atividades é a sua essencialidade. Considerando que os serviços disponibilizados por estas concessionárias são utilizados por alguns profissionais, que forçosamente precisam se deslocar de suas residências para seus locais de trabalho. Portanto, não é juridicamente possível para estas empresas descontinuar tais incumbências com vistas a minimizar seus custos durante os momentos de menor faturamento, por mais deficitária que a sua execução se mostre.

Diante desse cenário, os debates ao redor dos mecanismos jurídicos de reposição de prejuízos abrangendo a caracterização da pandemia como evento de força maior, ou algo que seja equivalente, com vistas a buscar o reequilíbrio dos contratos de concessão, fizeram-se presentes ao longo do ano de 2020. Pelo seu caráter abrangente e elevado grau de indispensabilidade, os meios de transporte coletivo possuem algumas características que lhe são básicas e inegociáveis, muitas delas registradas na legislação e asseguradas nos contratos de concessão firmados com o Poder Concedente.

Não se faz necessária uma pesquisa por demais aprofundada para constatar o enquadramento das circunstâncias trazidas pela Covid-19 às exigências da Lei de concessões para a implementação das medidas de reequilíbrio econômico-financeiro contratual.  A disseminação do novo coronavírus e suas medidas de contenção podem ser qualificadas como eventos supervenientes e extraordinários com consequências imprevisíveis e inevitáveis, as quais criaram uma conjuntura de intenso desequilíbrio e com potencialidade elevada para tornar as condições contratuais excessivamente onerosas.

Sobre esse aspecto a teoria da imprevisão se manifesta de diversas formas, tais como o caso fortuito (atos do homem imprevisíveis), força maior (fatos da natureza aos quais não se consegue resistir), fato do príncipe (determinação estatal superveniente e imprevisível que onera o contrato), sendo todos fundamentados pela existência de uma álea extraordinária e externa à vontade das partes.

 Assim, para fins de recomposição do equilíbrio contratual como decorrência da pandemia de Covid-19, pouco importa sua denominação ou classificação, bastando que esteja configurada uma situação de onerosidade excessiva diante do caso concreto.

Sua aplicabilidade não é imediata para todos os contratos de concessão, pelo contrário: é preciso que cada concessionária veicule seu requerimento singular ao Poder Concedente de forma circunstanciada. O pedido deve estar instruído com estudos técnicos e comprovação adequada da situação de vulnerabilidade financeira do ajuste econômico, com a indicação clara e precisa a ser examinada pelo Poder Público, levando-se em conta a conjuntura real da pandemia.

É preciso considerar também as disposições peculiares dos respectivos contratos atinentes à alocação de riscos caso haja matriz de distribuição, em face da repartição e do compartilhamento que tenham sido estabelecidos no momento de sua assinatura. As disposições sobre seguros devem ser examinadas do mesmo modo, como forma de evitar que os mecanismos de reequilíbrio contratual sejam inadvertidamente utilizados. Caso não haja o atendimento do pleito na esfera administrativa é possível judicializar a questão por meio da propositura de ação específica perante os órgãos judiciais competentes.

Dentre os diversos setores da atividade produtiva, podemos afirmar que os mais afetados pela crise ligada à pandemia de Covid-19 são os das concessionárias de serviços de transporte. O faturamento da maioria das empresas do ramo despencou abruptamente com a diminuição da quantidade de usuários. Tal cenário culminou, em muitos casos, com o rompimento do equilíbrio econômico-financeiro dos respectivos contratos de concessão.

Além da perda de receita, novas despesas surgiram, tais como os gastos com EPI´s para seus empregados e colaboradores, a intensificação das medidas sanitárias de higienização de ônibus, aeronaves, composições de metrô, terminais e locais de trabalho, bem como orientação dos usuários e disponibilização de álcool em gel em alguns casos.

Tais circunstâncias podem ser caracterizadas como álea extraordinária e ensejar recomposição das perdas por meio de requerimento específico por parte das concessionárias dirigido ao Poder Concedente de forma específica e circunstanciada.