(Franco Rangel de Abreu e Silva)
Bilhões de pessoas usam redes sociais como o Instagram e o TikTok para se expressar e se comunicar, inclusive para fins profissionais,[1] aportando imensurável volume de dados e informações importantes (até mesmo absolutamente privadas e pessoais ou comercialmente sigilosas).
Nesse contexto é que surge a questão sobre quem poderia herdar o controle de tais perfis ou quem poderá ter acesso a essas informações em caso de morte ou em caso de declaração de ausência (art. 6º do Código Civil[2]).
As leis brasileiras ainda não preveem uma regra clara e específica para o tema. Daí, dentre as normas jurídicas existentes, a herança de perfil em redes sociais (ou “herança digital”) vai depender de múltiplos fatores, inclusive a respeito do futuro uso que os herdeiros legais da pessoa natural morta pretendam dar ao perfil.
De um lado, temos a proteção constitucional da vida privada (inciso X do art. 5º da CF[3]) e do sigilo das comunicações telegráficas e telefônicas (inciso XII[4]) e a previsão legal legitimando cônjuges, pais ou filhos a defender no Poder Judiciário o nome, a imagem e a vida privada do morto (art. 21 do Código Civil[5]).
Na prática, as mensagens de cunho privado do falecido deveriam ficar inacessíveis até mesmo aos seus herdeiros. Essa trava de acesso aos próprios familiares, porém, só é comprovadamente eficaz (no caso do Instagram) se houver a transformação da conta em memorial.[6]
Porém, em matéria patrimonial, os herdeiros poderão ter o interesse em seguir explorando comercialmente o perfil do morto (especialmente se este monetizava conteúdos enquanto pessoa pública com relevante número de seguidores). Isso ocorre e ocorreria à semelhança do que fazem os herdeiros de músicos e escritores em matéria de direitos autorais conforme legislação específica.
Os especialistas na matéria vêm ratificando essas conclusões. No Enunciado 687 da IX Jornada de Direito Civil, foi aprovado que “O patrimônio digital pode integrar o espólio de bens na sucessão legítima do titular falecido, admitindo-se, ainda, sua disposição na forma testamentária ou por codicilo.”
Assim, a fim de se evitar futuros conflitos a respeito da destinação de todo esse conteúdo digital, o titular do perfil poderá fazer um testamento (§ 2º do art. 1.857 do Código Civil[7]) indicando quem será o administrador da conta e para qual ou quais finalidades ela poderá ser utilizada[8].
Existe a possibilidade inclusive de nomeação de um profissional (não familiar) como testamenteiro (art. 1.976 do Código Civil[9]) com a finalidade de que ele apenas exclua os perfis do seu respectivo titular com a morte do testador (arts. 1981[10] e 1982[11] do Código Civil).
[1] Por exemplo, o mercado de influenciadores digitais. Maiores detalhes em: VARASQUIM, Murilo. Conar Lança Guia de Publicidade para Influenciadores Digitais. Disponível em: https://lealvarasquim.com.br/conar-lanca-guia-de-publicidade-para-influenciadores-digitais/ Acesso em 27-06-23.
[2] Art. 6º A existência da pessoa natural termina com a morte; presume-se esta, quanto aos ausentes, nos casos em que a lei autoriza a abertura de sucessão definitiva.
[3] X – são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação;
[4] XII – é inviolável o sigilo da correspondência e das comunicações telegráficas, de dados e das comunicações telefônicas, salvo, no último caso, por ordem judicial, nas hipóteses e na forma que a lei estabelecer para fins de investigação criminal ou instrução processual penal.
[5] Art. 21. A vida privada da pessoa natural é inviolável, e o juiz, a requerimento do interessado, adotará as providências necessárias para impedir ou fazer cessar ato contrário a esta norma. (Vide ADIN 4815)
[6]Informação disponível em https://help.instagram.com/231764660354188?helpref=faq_content Acesso em 27-06-2023.
[7] Art. 1.857. Toda pessoa capaz pode dispor, por testamento, da totalidade dos seus bens, ou de parte deles, para depois de sua morte. § 2 o São válidas as disposições testamentárias de caráter não patrimonial, ainda que o testador somente a elas se tenha limitado.
[8] O chamado conteúdo existencial do testamento persiste como válido e eficaz mesmo nos casos de rompimento do testamento segundo o Enunciado 643 da VIII Jornada de Direito Civil do Conselho da Justiça Federal (SCHREIBER, Anderson. Manual de direito civil: contemporâneo. São Paulo: Saraiva Educação, 2020. p.1038).
[9] Art. 1.976. O testador pode nomear um ou mais testamenteiros, conjuntos ou separados, para lhe darem cumprimento às disposições de última vontade.
[10] Art. 1.981. Compete ao testamenteiro, com ou sem o concurso do inventariante e dos herdeiros instituídos, defender a validade do testamento.
[11] Art. 1.982. Além das atribuições exaradas nos artigos antecedentes, terá o testamenteiro as que lhe conferir o testador, nos limites da lei.