COMPETÊNCIA CONCORRENTE DA UNIÃO E DOS ESTADOS PARA DEFINIR QUAIS SÃO AS ATIVIDADES ESSENCIAIS DURANTE A PANDEMIA DE COVID-19: A QUESTÃO DAS ACADEMIAS DE ESPORTE NO ESTADO DO PARANÁ

25 de maio de 2020 - Direito Constitucional

(Murilo Varasquim)

A Lei nº. 13.979 (DOU de 7.2.2020) dispõe sobre as medidas para enfrentamento da pandemia do novo coronavírus no Brasil. Trata-se de medida aprovada pelo Congresso Nacional que vigorará enquanto perdurar o estado de emergência de saúde internacional decorrente do coronavírus responsável pelo surto de 2019 (art. 8º).

O art. 3º do referido diploma legal estabeleceu medidas sanitárias para combater a propagação do covid-19, como, por exemplo, o isolamento e a quarentena.

Contudo, foram incluídos pela Medida Provisória nº. 926/2020 os §§ 8º e 9º ao art. 3º para dispor, respectivamente, que “as medidas previstas neste artigo, quando adotadas, deverão resguardar o exercício e o funcionamento de serviços públicos e atividades essenciais” e que “o Presidente da República disporá, mediante decreto, sobre os serviços públicos e atividades essenciais a que se referem o § 8º.”.

Atividades essenciais são aquelas, segundo o Decreto nº. 10.282/2020, que, se não atendidas, colocam em perigo a sobrevivência, a saúde ou a segurança da população.

Pelo Decreto nº. 10.344/2020, as academias de esporte de todas as modalidades foram incluídas em tal rol, desde que obedecidas as determinações do Ministério da Saúde.

Ocorre que o Governo do Paraná decidiu manter fechadas as academias de esporte, mesmo com decreto federal vigente dispondo textualmente em sentido contrário[1].

É preciso deixar consignado que o texto tem por escopo apenas a competência legislativa definida pela CF/88. Portanto, trata apenas de questão jurídica e não tem a pretensão de fazer debate político sobre o isolamento social. 

Porém, é inconstitucional (salvo melhor juízo) o Decreto Estadual nº. 4.317, de 21 de março de 2020, que não tem como atividade essencial as academias de esporte.

Isso porque o art. 24 da Constituição Federal estabelece que “compete à União, aos Estados e ao Distrito Federal legislar concorrentemente sobre previdência social, proteção e defesa da saúde” (inciso XII) e que “a superveniência de lei federal sobre normas gerais suspende a eficácia da lei estadual, no que lhe for contrário.”.

No caso, se lei federal atribui ao Presidente da República definir quais são os serviços essenciais durante a pandemia de covid-19 e o Decreto nº. 10.344/2020 expressamente incluiu as academias de esportes nas hipóteses legais, não pode o Governo do Paraná, nem de qualquer outro estado da Federação, negar vigência ao decreto federal em comento, sem uma justificativa que a autorize, ante concreta e real peculiaridade regional quanto ao controle da pandemia.

Com efeito, o Plenário do Supremo Tribunal Federal, ao julgar a ADI nº. 6341 MC-Ref/DF, red. p/ o ac. Min. Edson Fachin, j. em 15/05/2020, por maioria, “referendou medida cautelar em ação direta, deferida pelo ministro Marco Aurélio (Relator), acrescida de interpretação conforme à Constituição ao § 9º do art. 3º da Lei 13.979/2020, a fim de explicitar que, preservada a atribuição de cada esfera de governo, nos termos do inciso I do art. 198 da Constituição Federal, o Presidente da República poderá dispor, mediante decreto, sobre os serviços públicos e atividades essenciais.”.

A propósito, o julgado, considerando que a pandemia atual é totalmente atípica, foi até mais maleável com o legislador estadual no tópico da competência concorrente do que a tradição jurisprudencial da Corte, que não tolera “regulamentação paralela e explicitamente contraposta à legislação federal vigente”.[2]

Nas palavras do Ministro Celso de Mello, decano da Corte, “a Carta Política, por sua vez, ao instituir um sistema de condomínio legislativo nas matérias taxativamente indicadas no seu art. 24 – dentre as quais avulta, por sua importância, aquela concernente ao ensino (art. 24, IX) -, deferiu ao Estado-membro e ao Distrito Federal, em “inexistindo lei federal sobre normas gerais”, a possibilidade de exercer a competência legislativa plena, desde que “para atender a suas peculiaridades” (art. 24, § 3º)”.[3]

Se há norma geral e não existe peculiaridade regional a justificar o Decreto Estadual nº. 4317/2020, a proibição do funcionamento de academias de esportes no Paraná pode ser declarada inconstitucional.

Se em Santa Catarina as academias de esporte foram tidas como atividade essencial, assim como pelo Decreto Federal, o Paraná precisa justificar a partir de dados sanitários a restrição a tal atividade.


[1] Informação disponível em: https://www.gazetadopovo.com.br/parana/parana-ignora-decreto-federal-academias-fechadas-pandemia/. Acesso em: 17/05/2020.

[2] ADI 3645, Relatora:  Min. ELLEN GRACIE, Tribunal Pleno, julgado em 31/05/2006, DJ 01-09-2006, LEXSTF v. 28, n. 334, 2006, p. 75-91.

[3] ADI 2667 MC, Relator:  Min. CELSO DE MELLO, Tribunal Pleno, julgado em 19/06/2002, DJ 12-03-2004 PP-00038 EMENT VOL-02143-02 PP-00275.