Lei da Propriedade Industrial vs Art. 19 do Marco Civil da Internet

06 de agosto de 2024 - Direito Digital - Propriedade Industrial

(Franco Rangel de Abreu e Silva)

É um consenso nas democracias ocidentais capitalistas que o respeito à propriedade industrial é um dos principais motores do desenvolvimento econômico e tecnológico de uma sociedade.

Fruto e no ápice da última revolução tecnoindustrial, os provedores de aplicação, principalmente aquelas plataformas que fazem a intermediação de trocas entre outras duas partes, ou “terceiros”, como  Uber, Instagram, Ifood, AribnB, Google, Amazon, X etc. costumam buscar abrigo no art. 19 do Marco Civil da Internet quando ilícitos são praticados dentro de seus servidores.

O art. 19 do CPI estabelece que: “com o intuito de assegurar a liberdade de expressão e impedir a censura, o provedor de aplicações de internet somente poderá ser responsabilizado civilmente por danos decorrentes de conteúdo gerado por terceiros se, após ordem judicial específica, não tomar as providências para, no âmbito e nos limites técnicos do seu serviço e dentro do prazo assinalado, tornar indisponível o conteúdo apontado como infringente, ressalvadas as disposições legais em contrário.”

Assim, se estamos, por exemplo, perante uma postagem difamatória no Instagram de “A” contra  “B”, a plataforma não responde por esse ilícito, exceto se deixar de excluir a ofensa quando houver ordem judicial determinação a exclusão do conteúdo ilícito.

Ocorre que o art. 19 não pode ser aplicado em casos em que a plataforma contribui ativamente para a violação da propriedade industrial de terceiros, como, por exemplo, em matéria de publicidade direcionada. É o caso da nova condenação da Google em matéria de links patrocinados no STJ.

De acordo com o Superior Tribunal de Justiça: “no mercado de links patrocinados, o provedor de pesquisas não é mero hospedeiro de conteúdo gerado por terceiros, mas sim fornecedor de serviços de publicidade digital que podem configurar como atos de concorrência desleal. Por essa razão, não há que se falar na aplicação do art. 19 do Marco Civil da Internet”  (REsp n. 2.096.417/SP, relatora Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, julgado em 20/2/2024, DJe de 7/3/2024.)

A tese, em resumo, da Corte Superior, é a seguinte: “A compra de palavras-chaves referentes à marca de uma empresa concorrente junto ao provedor de pesquisa, a fim de aparecer em destaque no resultado de anúncios em buscas na internet se configura como ato de concorrência desleal, dispensando a demonstração de prejuízo concreto para que surja o dever de indenizar” (Informativo de Jurisprudência – Edição Extraordinária nº 20 Direito Privado 23 de julho de 2024).

O argumento da Google  de aplicação do art. 19 do MCI foi afastado pelos ministros nos seguintes termos: “A inteligência do referido dispositivo legal reside na exaltação da liberdade de expressão e na vedação da censura. Assim, sua aplicação destina-se a tutelar o direito de externar ideias, opiniões e juízos de valor, garantindo a proteção da intimidade e da privacidade. Por outro lado, nada obsta que os provedores de pesquisa sejam responsabilizados por ato próprio, que é precisamente a situação ora em exame.”

Explica, ainda, o voto da Eminente Relatora: “Ao analisar a reponsabilidade do provedor de pesquisa no mercado de links patrocinados, cuida-se de relação contratual, firmada entre ele e um anunciante, com objetivo de promoção publicitária que fere os direitos de propriedade intelectual de um terceiro ao gerar atos de concorrência desleal.”

Para daí concluir: “(…)  o buscador tem controle ativo das palavras-chaves que está comercializando, sendo tecnicamente possível evitar a violação de propriedade intelectual. Tal entendimento não enseja monitoramento em massa, violação da liberdade de expressão ou restrição da livre concorrência. Somente demanda-se maior diligência por parte dos provedores de pesquisa no momento de ofertar serviços de publicidade.”

Logo, art. 19 não isenta os provedores que contribuem para a atos de violação da propriedade industrial, como é o caso da concorrência desleal (art. 2º, V, da LPI[1])


[1]“Art. 2º A proteção dos direitos relativos à propriedade industrial, considerado o seu interesse social e o desenvolvimento tecnológico e econômico do País, efetua-se mediante:        V – repressão à concorrência desleal.”