QUESTÕES SOBRE A DISPARADA DO DÓLAR E A REVISÃO DE CONTRATOS NO PODER JUDICIÁRIO

25 de março de 2020 - Direito Civil

(Murilo Varasquim)

Como se sabe, a apreensão nos mercados diante da pandemia do novo coronavirus (covid-19) causa a valorização do dólar americano. Assim, em 24/03/2020, o US$ 1,0 atingiu o valor de R$ 5,08 (cotação comercial às 10:00 horas da manhã do horário de Brasília).

Pois bem. Quando da maxidesvalorização do real frente ao dólar em janeiro de 1999, o SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA (STJ) firmou jurisprudência no sentido de “autorizar a repartição do ônus das diferenças resultantes da variação cambial do período entre o arrendatário e a instituição arrendante”.1

Isto é, as partes (arrendatário x instituição arrendante) fariam o rateio pela metade dessa valorização cambial nos casos de arrendamento mercantil (reajuste de contrato de leasing atrelado à variação cambial).

Considerando esse mesmo período da História como pano de fundo, o STJ revisou contrato administrativo para fornecimento de 6 helicópteros para a Polícia Rodoviária Federal e decidiu desta forma: “uma vez demonstrado que as aeronaves necessitavam ser adquiridas pela licitante vencedora no exterior, com o desembolso em dólar realizado logo após a mencionada e drástica alteração da política cambial (passando-se do sistema de bandas para o de livre flutuação do dólar), fato esse que, à época, não poderia ser previsto e que acabou por onerar sobremaneira a empresa recorrente, configurada resulta a álea econômica extraordinária e extracontratual de que trata o art. 65, II, d, da Lei nº 8.666/93, legitimando a indenização por ela pleiteada”.2

É que, em janeiro de 1999, o dólar americano passou de R$ 1,20 (04/01/1999) para R$ 1,98 (29/01/1999)3, o que significa um aumento de aproximadamente 67% para compra da moeda americana no país.

Esses precedentes começaram a ser comentados novamente porque é bastante razoável defender que a pandemia de covid-19 não era algo esperado ou previsível, tampouco os efeitos econômicos das medidas sanitárias e de saúde praticadas vários países como Estados Unidos, Itália, China, Índia e Brasil.

Com efeito, o dólar está oscilando e valorizações frente ao real de 20% a 30% têm sido observadas na esteira da sucessão de fatos e notícias sobre o assunto.

Portanto, as eventuais demandas resultantes dessa disparada do dólar devem ser apreciadas caso a caso. Decerto o STJ irá enfrentar e pacificar a questão sem olvidar as peculiaridades jurídicas e econômicas atuais, mas, apenas, no futuro, tendo em vista o regime processual brasileiro.

2 REsp 1433434/DF, Rel. Ministro SÉRGIO KUKINA, PRIMEIRA TURMA, julgado em 20/02/2018,

DJe 21/03/2018. Destaques nossos.

3   Dados do Banco Central do Brasil. Disponíveis em: https://www4.bcb.gov.br/pec/taxas/port/ptaxnpesq.asp?frame=1. Acesso em 25/03/2020.