Contrato de arrendamento e dúvidas envolvendo a meeira na hora da partilha

17 de novembro de 2022 - Direito Civil

(Gustavo André Beltrame)

O Código Civil estabelece que “aberta a sucessão, a herança transmite-se, desde logo, aos herdeiros legítimos e testamentários” (Art. 1.784). Em outras palavras, a partir do evento morte, todo patrimônio do falecido – de cujus, na linguagem jurídica –é transmitido aos seus herdeiros legítimos e testamentários. É o que a doutrina convencionou chamar de efeito saisine.

À vista disso, quando ocorre o requerimento de inventário e partilha (judicial), o juiz nomeará inventariante, ao qual incumbe, dentre outras funções, “administrar o espólio” (Art. 618, II, Código de Processo Civil e Art. 1.991 do Código Civil) e levar ao conhecimento do juiz “a relação completa e individualizada de todos os bens do espólio” (art. 620, IV, Código de Processo Civil).

Imagine-se que a pessoa falecidatenha deixado esposa e filhos e o regime de casamento tenha sido o comum (comunhão parcial de bens). Além disso, todos os bens tenham sido constituídos no decorrer da relação. Nesse cenário, a esposa então é designada como “meeira”, ou seja, tem direito a 50% do total dos bens. Os filhos do casal, por sua vez, são designados herdeiros legítimos e dividem, entre si, os outros 50% do total dos bens (Art. 1.829, CC).

Ocorre que, se um ou o único bem deixado pelo falecidoseja um imóvel, e este esteja arrendado[1], o inventariante deve levar ao conhecimento do juiz com a descrição e valor (aproximado) do imóvel e o contrato de arrendamento.

É muito comum que os valores do arrendamento sejam deixados de fora do monte-mor[2] para ser posteriormente partilhado (monte partível).

E isso acontece pois, como na meação[3] não incide tributos. Na prática, ocorre da meeira ou inventariante cometer o engano de considerar que o patrimônio da meeira não precisa ser incluído no monte-mor. Consequentemente, não comunica o arrendamento no processo de inventário, ou, acaba retendo 50% do valor, e deposita apenas os outros 50% dos valores em juízo.

Esta prática é vedada pelo próprio Código Civil: Art. 2.020“Os herdeiros em posse dos bens da herança, o cônjuge sobrevivente e o inventariante são obrigados a trazer ao acervo os frutos que perceberam, desde a abertura da sucessão; têm direito ao reembolso das despesas necessárias e úteis que fizeram, e respondem pelo dano a que, por dolo ou culpa, deram causa”.

Por outro lado, há casos em que a viúva (meeira) não possua outra fonte de renda e dependa exclusivamente da remuneração advinda do arrendamento.

Nesses casos, os Tribunais têm “relativizado” o art. 2.020, e tem adiantado o patrimônio correspondente em favor da meeira. Contudo, sob a condição do preenchimento de dois requisitos[4]: 1) concordância dos demais herdeiros; e 2) demonstração suficiente de que a meeira não possui outras rendas suficientes para substanciar o seu sustento.


[1] Contrato pelo qual o arrendador cede imóvel a outro (arrendatário), para que este o explore, em troca de determinada remuneração. Normalmente é utilizado para exploração de terra rural produtiva.

[2] Patrimônio total do de cujus.

[3] Patrimônio pertencente exclusivamente à meeira.

[4] TJRS. Agravo de Instrumento Nº 50642331320208217000, Oitava Câmara Cível, Relator: Des. Rosana Broglio Garbin, Julgado em 27/05/2021.

TJSP. Agravo de Instrumento Nº 22782599320208260000, 2ª Câmara de Direito Privado, Relator: Des. Alvaro Passos, Julgado em 20/04/2021.

TJPR. Agravo de Instrumento Nº 00426357720208160000, 11ª Câmara Cível, Relator: Des. Lenice Bodstein, Julgado em 12/04/2021.