EMPRESAS EM RECUPERAÇÃO JUDICIAL PODEM SOFRER AÇÃO DE DESPEJO EM CASO DE INADIMPLÊNCIA

29 de setembro de 2020 - Direito Administrativo

(Letícia Rodrigues Blanco Vieira)

A Lei de Recuperação Judicial e Falências (Lei nº 11.101/2005) prevê em seu art. 6º, caput e §4º[i] a suspensão das ações e execuções movidas em face das empresas que buscam a recuperação por um período de até 180 (cento e oitenta) dias, após o deferimento do processamento do pedido de recuperação, o que comumente se denomina de stay period.

Uma dúvida muito comum é se, em que pese o deferimento do processamento da recuperação judicial e a suspensão mencionada, o locador do imóvel no qual a empresa em crise constituiu sua sede, pode propor ação de despejo cumulada com cobrança de alugueres por conta do inadimplemento das obrigações decorrentes do contrato de locação.

O §1º do artigo 6º da referida lei, por sua vez, estabelece que: “terá prosseguimento no juízo no qual estiver se processando a ação que demandar quantia ilíquida”.

Assim, conclui-se que a ação de despejo cumulada com cobrança de alugueres se enquadra na exceção à regra prevista no §1º, uma vez que demanda quantia ilíquida e, por isso, não há que se falar em suspensão.

Ademais, salienta-se que, quando se trata de valores não sujeitos aos efeitos da recuperação judicial – alugueres inadimplidos após o pedido de recuperação judicial – o processamento desta não tem condão de obstar o deferimento da liminar de despejo.

Nos termos na Lei n° 8.245/91 (Lei do Inquilinato), o ajuizamento da ação de despejo torna possível a retomada da posse direta do imóvel. Ademais, a Lei de Recuperação Judicial e Falências não possui qualquer exceção que assegure a manutenção da empresa em crise no imóvel em caso de inadimplemento dos alugueres.

Inclusive, a Lei n. 11.101/05 deixa claro que o proprietário de bem imóvel não se submete aos efeitos da recuperação, nos termos do §3º do artigo 49[ii].

Por fim, importante frisar que o Superior Tribunal de Justiça possui entendimento de que não há conflito de competência na propositura da ação de despejo em face de empresa em recuperação judicial em juízo diverso daquele onde se processa a recuperação:

“AGRAVO INTERNO NOS EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO CONFLITO DE COMPETÊNCIA. INCIDENTE MANEJADO SOB A ÉGIDE DO NCPC. RECUPERAÇÃO JUDICIAL. AÇÃO DE DESPEJO DO IMÓVEL POR SEU PROPRIETÁRIO CONTRA A EMPRESA RECUPERANDA. SIMPLES RETOMADA. AUSÊNCIA DE CONFLITO.PRECEDENTES. AGRAVO NÃO PROVIDO. 1. Aplicabilidade do NCPC neste julgamento conforme o Enunciado Administrativo nº 3, aprovado pelo Plenário do STJ na sessão de 9/3/2016: Aos recursos interpostos com fundamento no CPC/2015 (relativos a decisões publicadas a partir de 18 de março de 2016) serão exigidos os requisitos de admissibilidade recursal na forma do novo CPC. 2. A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça se firmou no sentido de que nada obsta o prosseguimento de ação de despejo proposta por proprietário do bem contra empresa em recuperação judicial, não ficando, pois, configurado o conflito de competência. 3. Agravo interno não provido.”[iii]

Desse modo tem-se que, se houver inadimplemento dos valores dos alugueres posteriormente ao deferimento do processamento da recuperação judicial, observadas as normas da Lei do Inquilinato, poderá ocorrer o despejo da empresa em recuperação judicial do imóvel objeto da locação.


[i] Art. 6º A decretação da falência ou o deferimento do processamento da recuperação judicial suspende o curso da prescrição e de todas as ações e execuções em face do devedor, inclusive aquelas dos credores particulares do sócio solidário.

§ 4º Na recuperação judicial, a suspensão de que trata o caput deste artigo em hipótese nenhuma excederá o prazo improrrogável de 180 (cento e oitenta) dias contado do deferimento do processamento da recuperação, restabelecendo-se, após o decurso do prazo, o direito dos credores de iniciar ou continuar suas ações e execuções, independentemente de pronunciamento judicial.”

[ii] Art. 49. Estão sujeitos à recuperação judicial todos os créditos existentes na data do pedido, ainda que não vencidos.

§3º Tratando-se de credor titular da posição de proprietário fiduciário de bens móveis ou imóveis, de arrendador mercantil, de proprietário ou promitente vendedor de imóvel cujo respectivos contratos contenham cláusula de irrevogabilidade ou irretratabilidade, inclusive em incorporações imobiliárias, ou de propriedade em contrato de venda com reserva de domínio, seu crédito não se submeterá aos efeitos da recuperação judicial e prevalecerão os direitos de propriedade sobre a coisa e as condições contratuais, observada a legislação respectiva, não se permitindo, contudo, durante o prazo de suspensão a que se refere o §4º do art. 6º desta Lei, a venda ou a retirada do estabelecimento do devedor dos bens de capital essenciais a sua atividade empresarial.

[iii] AgInt nos EDcl no CC 163.996/RS, Rel. Ministro MOURA RIBEIRO, SEGUNDA SEÇÃO, julgado em 05/05/2020, DJe 07/05/2020.