O benefício direto ou indireto do sócio ou do administrador como requisito da desconsideração da personalidade jurídica após a Declaração de Direitos de Liberdade Econômica (Lei nº. 13.874/2019).

(Murilo Varasquim)

A Lei nº. 13.874/2019, que institui a Declaração de Direito de Liberdade Econômica, modificou significativamente a redação do art. 50 do Código Civil, que versa sobre a desconsideração da personalidade jurídica.

Em que pese outros diplomas também prevejam hipóteses legais de momentânea desconsideração da autonomia patrimonial da pessoa jurídica[1], o texto do art. 50 sempre será um norte efetivo ou subsidiário para a resolução de tal questão.

A desconsideração da pessoa jurídica normalmente é requerida quando há abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade ou pela confusão patrimonial.

Comparando a nova redação com o texto originário, é possível apontar que a diferença com maiores reflexos práticos entre o dispositivo atual e o primitivo refere-se à extensão da obrigação aos bens particulares de administradores ou sócios da pessoa jurídica que foram beneficiados direta ou indiretamente pelo abuso.

Da redação original do art. 50 não constava essa ressalva de que a obrigação recairia apenas sobre o patrimônio particular do sócio ou administrador que tenha se beneficiado do abuso, ainda que indiretamente.

A positivação dessa diretriz veio para coibir a inclusão generalizada de integrantes do quadro societário de sociedades empresariais no polo passivo de ações ou de execuções, alguns jamais beneficiados pela suposta fraude praticada. Já havia precedentes nesse sentido[2], mas não era algo observado de maneira uniforme pelos tribunais.

Conforme restou consignado na Exposição de Motivos da Medida Provisória que resultou na publicação da Lei nº. 13.874/2019, “esta proposta tomou uma série de edições com o intuito de, em caráter emergencial, proporcionar um estado de maior segurança jurídica no País.”.

Por fim, essa reforma do texto do Código Civil é igualmente aplicável aos processos trabalhistas por força do que dispõe o § 1º do art. 1º da Declaração de Direitos de Liberdade Econômica: “o disposto nesta Lei será observado na aplicação e na interpretação do direito civil, empresarial, econômico, urbanístico e do trabalho nas relações jurídicas que se encontrem no seu âmbito de aplicação e na ordenação pública, inclusive sobre exercício das profissões, comércio, juntas comerciais, registros públicos, trânsito, transporte e proteção ao meio ambiente.”.

[1] “A teoria da desconsideração da personalidade jurídica – disregard doctrine – fica positivada no CC, mantidos os parâmetros existentes nos microssistemas legais e na construção jurídica sobre o tema” Enunciado 51 da I Jornada de Direito Civil CJF/STJ.

[2] “- A desconsideração não é regra de responsabilidade civil, não depende de prova da culpa, deve ser reconhecida nos autos da execução, individual ou coletiva, e, por fim, atinge aqueles indivíduos que foram efetivamente beneficiados com o abuso da personalidade jurídica, sejam eles sócios ou meramente administradores.”

(REsp 1036398/RS, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 16/12/2008, DJe 03/02/2009. Destaques nossos).