(Leonardo Matos)
“É inadmissível que, para proteger o bem de família dos devedores, tantos outros possíveis bens de família sejam sacrificados.” Este foi o entendimento adotado pela Ministra Nancy Andrighi ao negar provimento ao recurso de um casal de compradores de uma unidade de um empreendimento que não havia sido concluído pela construtora, em razão de sua falência. A construtora responsável pelo empreendimento quebrou, deixando de concluir e entregar o empreendimento prometido a diversos compradores, os quais tomaram a iniciativa de unir recursos, através de uma associação, para concluir o empreendimento.
A edificação seria composta por três torres, sendo que todos os compradores se comprometeram a contribuir com os valores necessários à conclusão de todas as torres e áreas comuns do edifício.
Os recorrentes, cujo imóvel por eles adquirido estava localizado em uma das torres que já havia sido concluída, tornaram-se inadimplentes perante a associação, tendo firmado um instrumento de confissão de dívida, que embasou o processo de execução movido pela associação, onde foi determinada a penhora dos direitos aquisitivos que os devedores possuíam sobre a referida unidade.
O Superior Tribunal de Justiça decidiu, por unanimidade, manter a decisão do Tribunal de Justiça de São Paulo, que afastou a regra da impenhorabilidade do bem de família, com base nos incisos II e IV do art. 3º da Lei n. 8.009/90[i], a qual dispõe sobre as regras da impenhorabilidade do bem de família.
Ocorre que a Lei n. 8.009/90, em seu art. 3º, prevê algumas situações que excepcionam a regra da impenhorabilidade do bem de família. Uma destas exceções se apresenta quando o crédito objeto da execução diz respeito aos valores necessários à aquisição ou construção do próprio bem.
No caso analisado, o STJ entendeu não ser aplicável a norma da impenhorabilidade, justamente em razão do débito exigido guardar relação direta com o custeio do término das obras onde o imóvel está localizado.
A tese dos devedores de que não poderia ser aplicada a exceção à impenhorabilidade para o pagamento de valores que seriam utilizados na construção das demais torres inacabadas não foi aceita pelo STJ, pois, assim como os compradores das outras torres ajudaram no custeio da torre onde se encontra a unidade dos devedores, eles também teriam a obrigação recíproca de contribuir para a conclusão das demais torres, além das áreas comuns do empreendimento. O recurso ficou assim ementado:
“RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE EXECUÇÃO DE TÍTULO EXTRAJUDICIAL. FUNDAMENTAÇÃO DEFICIENTE. SÚMULA 284/STF. ASSOCIAÇÃO DE PROMITENTES COMPRADORES CONSTITUÍDA PARA DAR CONTINUIDADE ÀS OBRAS DO CONDOMÍNIO APÓS A FALÊNCIA DA CONSTRUTORA. INADIMPLEMENTO DO ASSOCIADO. INSTRUMENTO PARTICULAR DE CONFISSÃO DE DÍVIDA. PENHORA DOS DIREITOS DO DEVEDOR FIDUCIANTE SOBRE O CONTRATO DE ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA DE IMÓVEL EM GARANTIA. BEM DE FAMÍLIA. IMPENHORABILIDADE AFASTADA. JULGAMENTO: CPC/73.
Como se vê, a regra da impenhorabilidade do bem de família não é absoluta. A lei que regula o instituto traz em seu próprio texto claras exceções à esta regra, dentre as quais encontra-se a possibilidade de se proceder com a penhora quando o débito exequendo tiver ligação direta com a própria construção ou aquisição do bem.
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[i] Art. 3º A impenhorabilidade é oponível em qualquer processo de execução civil, fiscal, previdenciária, trabalhista ou de outra natureza, salvo se movido:
[…]
II – pelo titular do crédito decorrente do financiamento destinado à construção ou à aquisição do imóvel, no limite dos créditos e acréscimos constituídos em função do respectivo contrato;
[…]
IV – para cobrança de impostos, predial ou territorial, taxas e contribuições devidas em função do imóvel familiar;
[ii] REsp 1658601/SP, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 13/08/2019, DJe 15/08/2019.